Carregando os dias

Sou eu quem permanece
quando a vontade é sumir devagar.

Carrego dias como quem arrasta correntes invisíveis,
ninguém vê o peso,
mas o chão do meu peito já cedeu.
Existo por hábito,
respiro por teimosia,
acordo porque o corpo insiste
mesmo quando a alma pede pausa.

Há noites em que não durmo:
apenas desligo o mundo
e fico observando
quanto silêncio cabe dentro de mim.
É ali que a ideia aparece 
não como grito,
mas como sussurro educado:
e se não fosse mais preciso continuar?

Não é desejo de dor.
É fome de descanso.
É querer parar de sustentar
um coração que bate
mais por obrigação do que por vontade.
É olhar para a vida
como quem olha uma porta trancada
e se pergunta
se do outro lado há menos cansaço.

Sou solidão encarnada.
Aprendi a conversar com paredes,
a confiar em sombras,
a fazer do vazio um companheiro fiel 
ele nunca promete ficar,
mas nunca vai embora.

Às vezes sinto que pertenço mais
ao que não existe
do que a este mundo barulhento
onde sobreviver virou mérito.
Há algo em mim
que já se despede em silêncio,
não por ódio à vida,
mas por amor demais
que nunca encontrou onde repousar.

Se um dia eu atravessar,
não será fuga.
Será descanso.
Como quem fecha os olhos
no meio de uma tempestade
e aceita, enfim,
não precisar ser forte.