Estou só, como terra seca no deserto,
sem vigor, sem amparo, sem alento.
Minha fé se foi,
sem sequer se despedir da minha alma.
Minhas faltas me sufocaram
e já não encontro alento.
Minha dor é incessante,
como o sol do meio-dia:
arde, queima, não dá trégua.
Minhas lágrimas secaram.
Sinto saudade de quando elas
lavavam meu rosto com alguma dignidade.
Não encontro razão para existir,
ainda que a vida me estendesse a eternidade como herança.
Ansiava crer no bem…
mas só enxerguei o mal,
que habita em mim
e no mundo que me cerca.
Sinto a morte todos os dias,
mesmo estando vivo.
Tentei sair da minha cova,
mas encontrei ainda mais desespero.
Fez-se de pedra o meu travesseiro,
e as angústias, como sentinelas,
não permitem que o sono alivie minha alma.
Olhei para os montes e perguntei:
Onde se escondeu a esperança?
Haveria Alguém
que pudesse arrancar-me desta angústia?
Se o Senhor entregou-Se à cruz em meu lugar,
pelas minhas transgressões e chagas,
não seria chegada a hora
de revelar Sua misericórdia ?
Porventura não seria o meu espírito o Seu galardão,
pelo sangue que por mim foi derramado?
A vida, o mundo,
e minhas próprias escolhas
me levaram à sepultura,
mais cedo que a lucidez me alcançasse.
Conto meus dias nos dedos.
E com amargura.
Tentei sorrir,
mas incomodei até os mortos.
Aqueles que prometeram estar ao meu lado
se foram
antes que meu rosto caísse em espanto.
Buscaram minha alma com crueldade,
e sem razão me lançaram às feras,
pelo prazer de ver meu sangue na areia.
Lançaram contra mim flechas afiadas,
que cortavam até o vento.
A solidão
e a rejeição
foram minhas companheiras
desde o ventre de minha mãe.
Pensei em tudo.
Pensei em todos.
E me pergunto:
Qual é o sentido de tudo isso?
A vida, ao fim, revela-se vaidade
futilidade que corrói em silêncio
a última centelha de bondade
que ainda insiste em habitar o coração.
Os olhos desviam o homem da verdade,
e os cuidados vãos desta vida
fazem-no adormecer, pouco a pouco,
em um sono profundo .
Todos se escravizam com mentiras,
até que a verdade venha
sem misericórdia.
Mas antes que a luz fosse anunciada,
o Senhor já a conhecia.
Ainda se ouvem Suas palavras nas esquinas e nas praças,
clamando por aqueles que tenham ouvidos para ouvir.
E até os que não têm discernimento
se tornam sábios ao ouvir Sua voz.
Talvez o aborrecimento da minha alma
seja culpa minha,
por não aceitar o cálice da embriaguez,
por ter recusado a ilusão.
Contemplo minha dor,
não com desespero,
mas como um sábio
que ensina em silêncio.
E mesmo assim,
a lição nunca termina.
Quando, enfim,
terei minha alma como despojo?
Tentei esquecer de Ti…
mas minha dor se agravou.
Minha fé é repleta de dúvidas,
mas há algo em mim
que nem as minhas angústias pode negar:
O Senhor terá a última palavra.
Preso em correntes estou,
devido aos açoites das Tuas palavras.
Colocaste um anzol no meu nariz,
e fizeste voltar pelo mesmo caminho que andei.
Sacrifícios e ofertas não me pediste,
mas minha alma o Senhor abateu.
Queria não ver o que vi.
Não saber o que sei.
O pouco que me foi revelado
aborreceu minha alma
e me afrontou pelo que eu nunca serei.
Que Sua misericórdia
cubra todo o mal que eu fiz…
e tudo o que sofri.
Mais vale o juízo do que o favor.
Pois no juízo,
encontra-se a alma
mais pura que a alva.
Se eu encontrasse
um feixe de luz
no meio da escuridão,
minha alma se alegraria,
e meu espírito
viveria novamente.
Senhor…
revela-Te no meio da minha aflição,
pois minha alma se encontra nas trevas.
Senhor…
ouve meu clamor no meio da multidão.
Minha voz não Te é desconhecida,
e minha petição ainda que pequena
não é esquecida diante de Teus olhos.
Não há poder, nem palavra, nem milagre…
Apenas Tua Graça…
Me basta.
Amém.
-
Autor:
Andre Pompeo (
Offline) - Publicado: 22 de dezembro de 2025 22:46
- Comentário do autor sobre o poema: O poema expressa a experiência profunda de uma alma em desolação, situada entre a fé ferida e a impossibilidade de negar a transcendência. A dor não é suavizada nem explicada; ela é apresentada como estado permanente, onde o silêncio do divino intensifica o vazio e faz a existência perder seu sentido imediato. A fé, aqui, não se manifesta como certeza ou consolo, mas como resistência. Mesmo atravessada por dúvidas, ela persiste, ainda que o sujeito deseje esquecê-la. O divino não surge como alívio imediato, mas como força que confronta, desmonta ilusões e reconduz o homem ao enfrentamento de si mesmo. Misericórdia e juízo não se opõem; a purificação acontece justamente no confronto com a verdade. Do ponto de vista filosófico, o poema investiga a condição humana marcada pela fragilidade, pela solidão e pela consciência da finitude. A vida é percebida como vazia de garantias, e o mundo, como espaço de conflito e desamparo. O sofrimento não aparece como exceção, mas como parte estrutural da existência. Ainda assim, a dor não é negada nem anestesiada; ela assume o papel de mestra silenciosa, revelando aquilo que o conforto tende a ocultar. O conflito central não está entre crer ou não crer, mas entre aceitar a verdade ou refugiar-se na ilusão. O sujeito recusa os anestésicos existenciais, as falsas promessas e os autoenganos, e por isso sofre mais. Seu sofrimento nasce do excesso de lucidez, de ver e saber aquilo que não pode mais ser ignorado. O ponto de tensão do poema não reside em respostas objetivas ou intervenções extraordinárias, mas na rendição interior. Quando tudo falha, sentido, força, esperança e identidade, resta apenas a Graça. Não como recompensa, mas como sustento. Não como explicação, mas como presença suficiente. Assim, o poema sugere que a fé autêntica pode coexistir com dúvida profunda; que o confronto pode purificar mais do que o favor; que a dor pode ser reveladora, não apenas destrutiva; e que, no fim, não é o homem quem define o sentido último da existência, mas algo maior que o transcende. O encerramento não resolve o sofrimento. Ele o entrega.
- Categoria: Religioso
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