Suplica em Silêncio

Andre Pompeo

Estou só, como terra seca no deserto,
sem vigor, sem amparo, sem alento.

Minha fé se foi,
sem sequer se despedir da minha alma.

Minhas faltas me sufocaram 
e já não encontro alento.

Minha dor é incessante,
como o sol do meio-dia:
arde, queima, não dá trégua.

Minhas lágrimas secaram.
Sinto saudade de quando elas
lavavam meu rosto com alguma dignidade.

Não encontro razão para existir,
ainda que a vida me estendesse a eternidade como herança.

Ansiava crer no bem…
mas só enxerguei o mal,
que habita em mim 
e no mundo que me cerca.

Sinto a morte todos os dias,
mesmo estando vivo.

Tentei sair da minha cova,
mas encontrei ainda mais desespero.

Fez-se de pedra o meu travesseiro,
e as angústias, como sentinelas,
não permitem que o sono alivie minha alma.

Olhei para os montes e perguntei:
Onde se escondeu a esperança?
Haveria Alguém
que pudesse arrancar-me desta angústia?

Se o Senhor entregou-Se à cruz em meu lugar,
pelas minhas transgressões e chagas,
não seria chegada a hora
de revelar Sua misericórdia ?

Porventura não seria o meu espírito o Seu galardão,
pelo sangue que por mim foi derramado?

A vida, o mundo,
e minhas próprias escolhas
me levaram à sepultura,
mais cedo que a lucidez me alcançasse.

Conto meus dias nos dedos.
E com amargura.

Tentei sorrir,
mas incomodei até os mortos.

Aqueles que prometeram estar ao meu lado
se foram
antes que meu rosto caísse em espanto.

Buscaram minha alma com crueldade,
e sem razão me lançaram às feras,
pelo prazer de ver meu sangue na areia.

Lançaram contra mim flechas afiadas,
que cortavam até o vento.

A solidão
e a rejeição
foram minhas companheiras
desde o ventre de minha mãe.

Pensei em tudo.
Pensei em todos.
E me pergunto:
Qual é o sentido de tudo isso?

A vida, ao fim, revela-se vaidade 
futilidade que corrói em silêncio
a última centelha de bondade
que ainda insiste em habitar o coração.

Os olhos desviam o homem da verdade,
e os cuidados vãos desta vida
fazem-no adormecer, pouco a pouco,
em um sono profundo .

Todos se escravizam com mentiras,
até que a verdade venha 
sem misericórdia.

Mas antes que a luz fosse anunciada,
o Senhor já a conhecia.

Ainda se ouvem Suas palavras nas esquinas e nas praças,
clamando por aqueles que tenham ouvidos para ouvir.

E até os que não têm discernimento
se tornam sábios ao ouvir Sua voz.

Talvez o aborrecimento da minha alma
seja culpa minha,
por não aceitar o cálice da embriaguez,
por ter recusado a ilusão.

Contemplo minha dor,
não com desespero,
mas como um sábio
que ensina em silêncio.

E mesmo assim,
a lição nunca termina.
Quando, enfim,
terei minha alma como despojo?

Tentei esquecer de Ti…
mas minha dor se agravou.

Minha fé é repleta de dúvidas,
mas há algo em mim
que nem as minhas angústias pode negar:
O Senhor terá a última palavra.

Preso em correntes estou,
devido aos açoites das Tuas palavras.

Colocaste um anzol no meu nariz,
e fizeste voltar pelo mesmo caminho que andei.

Sacrifícios e ofertas não me pediste,
mas minha alma o Senhor abateu.

Queria não ver o que vi.
Não saber o que sei.
O pouco que me foi revelado
aborreceu minha alma 
e me afrontou pelo que eu nunca serei.

Que Sua misericórdia
cubra todo o mal que eu fiz…
e tudo o que sofri.

Mais vale o juízo do que o favor.
Pois no juízo,
encontra-se a alma
mais pura que a alva.

Se eu encontrasse
um feixe de luz
no meio da escuridão,
minha alma se alegraria,
e meu espírito
viveria novamente.

Senhor…
revela-Te no meio da minha aflição,
pois minha alma se encontra nas trevas.

Senhor…
ouve meu clamor no meio da multidão.
Minha voz não Te é desconhecida,
e minha petição ainda que pequena 
não é esquecida diante de Teus olhos.

Não há poder, nem palavra, nem milagre…
Apenas Tua Graça…
Me basta.

Amém.

  • Autor: Andre Pompeo (Offline Offline)
  • Publicado: 22 de dezembro de 2025 22:46
  • Comentário do autor sobre o poema: O poema expressa a experiência profunda de uma alma em desolação, situada entre a fé ferida e a impossibilidade de negar a transcendência. A dor não é suavizada nem explicada; ela é apresentada como estado permanente, onde o silêncio do divino intensifica o vazio e faz a existência perder seu sentido imediato. A fé, aqui, não se manifesta como certeza ou consolo, mas como resistência. Mesmo atravessada por dúvidas, ela persiste, ainda que o sujeito deseje esquecê-la. O divino não surge como alívio imediato, mas como força que confronta, desmonta ilusões e reconduz o homem ao enfrentamento de si mesmo. Misericórdia e juízo não se opõem; a purificação acontece justamente no confronto com a verdade. Do ponto de vista filosófico, o poema investiga a condição humana marcada pela fragilidade, pela solidão e pela consciência da finitude. A vida é percebida como vazia de garantias, e o mundo, como espaço de conflito e desamparo. O sofrimento não aparece como exceção, mas como parte estrutural da existência. Ainda assim, a dor não é negada nem anestesiada; ela assume o papel de mestra silenciosa, revelando aquilo que o conforto tende a ocultar. O conflito central não está entre crer ou não crer, mas entre aceitar a verdade ou refugiar-se na ilusão. O sujeito recusa os anestésicos existenciais, as falsas promessas e os autoenganos, e por isso sofre mais. Seu sofrimento nasce do excesso de lucidez, de ver e saber aquilo que não pode mais ser ignorado. O ponto de tensão do poema não reside em respostas objetivas ou intervenções extraordinárias, mas na rendição interior. Quando tudo falha, sentido, força, esperança e identidade, resta apenas a Graça. Não como recompensa, mas como sustento. Não como explicação, mas como presença suficiente. Assim, o poema sugere que a fé autêntica pode coexistir com dúvida profunda; que o confronto pode purificar mais do que o favor; que a dor pode ser reveladora, não apenas destrutiva; e que, no fim, não é o homem quem define o sentido último da existência, mas algo maior que o transcende. O encerramento não resolve o sofrimento. Ele o entrega.
  • Categoria: Religioso
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