A LUZ QUE CRESCEU DENTRO DE MIM

Ozana Anjos Santana

A LUZ QUE CRESCEU DENTRO DE MIM


Nasceu uma menina no silêncio amplo da zona rural,
numa casa de madeira que rangia leve com o vento,
onde a noite caía funda, pesada como véu antigo,
e o céu era sua única tela viva de encantamento,
as estrelas, seus fogos de artifício eternos.


A pobreza morava com ela, discreta e funda,
na panela rasa, no sapato gasto de todos os dias,
no riso insistente dos irmãos que buscavam ser criança,
mesmo quando a vida cobrava mais do que podiam,
e dezembro chegava doce e dolorido como sonho.


Do alto do terreiro ela via a cidade distante, brilhante,
cada lâmpada parecia um milagre aceso na escuridão,
as luzes de Natal furavam seu peito com desejo mudo,
era a promessa de um mundo grande, vivo e inalcançável,
um mundo que parecia existir para todos menos para ela.


À noite, antes de dormir, escrevia cartas miúdas e tortas,
“Papai Noel, traga um brinquedo, um chinelo, um doce qualquer”,
não por costume, mas por fé sincera de criança,
e no par de calçados deixado na janela estreita
depositava a inocência inteira de seu pequeno coração.


Mas quando o sol nascia e desfazia o carinho da noite,
os calçados permaneciam imóveis, a carta intacta,
e ela aprendia cedo os silêncios duros do mundo,
silêncios que machucam mais do que qualquer ausência,
embora insistisse a cada ano, porque sonhar era sua riqueza.


O tempo, porém, seguia firme como rio que não volta,
e aquela menina pobre, que só tinha o brilho distante, cresceu,
estudou, trabalhou, lutou com as mãos e com a alma inteira,
conquistou seu canto na cidade que parecia inalcançável,
e encontrou na claridade de hoje o reflexo dos sonhos de ontem.


Ela tem casa iluminada, trabalho, vida construída,
mas nunca esqueceu o que foi faltar o essencial,
e em noites de dezembro, quando a memória acende,
senta-se na janela para ver todas as versões de si mesma,
a que esperou, a que chorou, a que acreditou no nada.


Então uma pergunta nasce funda, urgente como oração:
“O que posso fazer pelas crianças que vivem o que vivi?
Como oferecer a elas a luz que me faltou um dia?”
E guiada pelo passado que pulsa vivo em sua pele,
ela se move para transformar o mundo de alguém.


Compra brinquedos, separa roupas, junta alimentos,
visita casas simples, abraça vidas que se abrem,
leva luz, afeto e esperança onde antes havia sombra,
e por instantes refaz mundos pequenos e frágeis,
como queria que tivessem um dia refazido o seu.


Ela sabe que não muda a vida inteira das crianças,
mas pode mudar o Natal de cada algumas delas,
e às vezes um gesto assim já é grande demais,
pois o pouco, quando é amor, se torna tudo,
e tudo, quando oferecido, refaz destinos.


E ao colocar um presente na janela de uma criança,
ela sorri com lágrimas doces e brancas de paz,
pois compreende enfim a verdade que a vida soprou:
a magia que esperou tanto nunca veio de fora,
nasceu dela e cresceu até aprender a ser oferta.

  • Autor: Ozana Anjos Santana (Offline Offline)
  • Publicado: 21 de dezembro de 2025 22:14
  • Comentário do autor sobre o poema: O poema narra a minha trajetória, uma menina criada em meio à pobreza na zona rural, marcada pela ausência de bens materiais, mas rica em sonhos, fé e imaginação. A distância entre sua realidade e o brilho da cidade simboliza seus desejos não atendidos, especialmente durante o Natal, quando a esperança infantil se renova apesar das frustrações. Com o passar do tempo, essa menina cresce, estuda, trabalha e conquista melhores condições de vida, sem romper com a memória de sua infância. Ao revisitar o passado, transforma a dor da espera em empatia e ação solidária, passando a oferecer às outras crianças a luz e a esperança que um dia lhe faltaram. O poema conclui que a verdadeira magia não vem de fora, mas nasce no interior humano e se fortalece quando se transforma em gesto de amor e partilha.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 2
Comentários +

Comentários1

  • Arthur Santos

    Uma montanha-russa de emoções.
    Belo poema.



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