Espinhenta

Art_u2h

– Espinhenta 

 

 

Hera solitária, aguardando a chegada da chuva;

Enraizada numa mescla quebradiça e fedorenta de barro e musgo.

Suas folhas, amareladas pela falta d'água, parecem cada vez mais enfraquecidas.

Os ramos desmantelados e obscurecidos – uma vez cheios de cor e vida;

Se descascam como carapaças velhas e abandonadas.

Algumas raízes, saltadas para fora;

Gritam em desespero por nutrientes e um transplante.

 

Seus espinhos longos e afiados afugentam qualquer pequeno animal;

Que possa liberar matéria orgânica para a fortalecer.

Insetos e larvas visitam sua cela vez ou outra;

Tamborilam, passeiam, farejam;

Vão já embora sem encontrar o que buscavam.

Familiarizada, a planta nem treme;

Desiste e espera o início de sua decomposição.

 

Duas outras plantas queridas, a compartilhavam o mesmo solo;

Uma devorada por lagartas, outra pisoteada "acidentalmente" por uma anomalia.

Desalmada, suas fibras começaram a enrijecer-se;

Os espinhos, já presentes, cresceram e se afiaram ainda mais;

Para lhe dar um revestimento e um luto digno.

As flores foram caindo, as folhas ressecando, os ramos escurecendo.

Trancou-se eternamente em sua desilusão.

 

Na calada, passos suaves e aveludados se aproximam;

Folhas se mexem e galhos secos protestam ao serem violados.

Atônita, a erva sai de seu transe e entra em alerta;

A imagem de um jaguar negro a faz armar seus espinhos em silêncio;

O animal analisa o local até a encontrar, fincando seus olhos esverdeados;

Encara ela sem uma piscada sequer;

Seu olhar vai até os corpos de suas irmãs ao lado – aqueles que ela é forçada a rever todo dia. Todo dia.

Parece pensar por um momento, mas, logo se vira, partindo em sigilo.

 

Aquele jaguar estava em suas memórias, Hera se lembra.

Dele passando por lá, e, vez ou outra, fazendo suas caças diárias.

Ela o reconhece pela mancha marrom próxima ao focinho dele.

Não entende bem o que acabou de presenciar, e então, tenta voltar para seu sono.

Mas em poucos minutos, a erva espinhosa mal tem seu repouso retomado e já é interrompida com os arbustos próximos se mexendo;

Arqueando-se mais uma vez, nem tem tempo de reação antes de ser banhada com um grande enxágue imprevisto.

Mal engole a água e logo vê – ele;

A fitando com aquele mesmo jeito curioso – lindos olhos de esmeralda brilhantes;

Sentado com um pedaço de casca de madeira arredondado para dentro na boca, uma cuia improvisada.

Em poucos segundos, a ponte entre ambos se desfaz quando ele tenta se aproximar para tocar sua raiz exposta;

E logo sai com a pata pingando sangue para longe.

 

Na manhã seguinte, os galhos de uma árvore gemendo até se quebrarem a assusta.

O que parecia impossível, desde que se desramificou da árvore onde ela e as irmãs costumavam empolerar-se;

Atinge Hera sem aviso prévio – uma rajada vívida que ela não esperava receber nunca mais;

Alegria e ressurreição pura;

A luz solar batendo nunca foi tão revigorante.

Lá do alto, ela enxerga a luz – o céu, mas também nota o jaguar num galho mais afastado;

Ele a olha de volta e desce da árvore e se aproxima – mais uma vez, com seu olhar-assinatura;

Parece estudar o seu redor;

Hera se pergunta se ele recorda dela e de suas falecidas irmãs – certamente notáveis naquela floresta;

Absorta em pensamentos, mal nota que ele já havia ido embora;

Não compreende muito, apenas deixa de lado e desfruta de seu banho de sol, podendo produzir alimento de novo.

Sorridente, nem percebe seus espinhos se recolherem um pouco.

 

Ao alvorecer do outro dia, havia se esquecido o que era um céu amanhecido;

O belo alaranjado salpicado de ouro se dissolvendo entre um claro e nobre azul celeste a hipnotiza.

Questiona-se o que levou ao jaguar a tê-la puxado para fora do poço profundo em que estava.

Queria saber se ele virá a visitar outra vez, mesmo com ela já podendo ter um recomeço, se quiser.

Mesmo com ela não podendo, de forma alguma, lhe dar algo em troca.

Ansiosa, o entardecer pareceu um milênio inteiro para hera, esperando-o;

Ela assiste quieta os últimos vestígios de céu claro, e é surpreendida com o felino já a observando, relaxado. 

Queria deixar de ser uma planta por um único momento;

Deixar de ser dura e espinhenta.

O jaguar chega o rosto próximo às suas vinhas, como se estivesse a abraçando; 

Parece ignorar completamente sua pele sendo cortada.

Olhos verde-jade – _tão lindos._

Mais próximos do que nunca, teme muito perfurá-los;

Ela estaria afogada em lágrimas se tivesse olhos, mas ele não a quer permitir pensar nisso;

"Eu te amo, com espinhos e tudo."

  • Autor: Art_u2h (Offline Offline)
  • Publicado: 17 de dezembro de 2025 02:42
  • Comentário do autor sobre o poema: Amar é permanecer, mesmo que machuque. Tenho 16 anos, quero começar a divulgar minhas escritas.
  • Categoria: Amor
  • Visualizações: 4


Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.