O homem contemporâneo. Pós-promessa e pós-ilusão...
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Ando
por estradas que não prometem chegada
carrego no peito
um vazio que não pede explicação
apenas pesa
Há uma saudade sem nome
dessas que não gritam
mas corroem
desfazem certezas
e constroem perguntas
Guardo lembranças do amanhã
futuros que sonhei ontem
e que não vieram
como mensagens nunca lidas
como chuva que escolheu não cair
Depois do boa-noite
fica o corpo
fica o quarto
fica o silêncio
fazendo mais barulho
do que qualquer palavra dita
do que qualquer grito
ou gemido de choro
Neste deserto que chamo de peito
de fases da vida
de cotidiano
cada segundo é atrito
é o incômodo de continuar
quando tudo pede pausa
às vezes meu próprio suspiro
pesa mais
que a gravidade de um planeta inteiro
Há dores que não aprendem a falar
feridas que se deitam
sobre cicatrizes mal curadas
como se o tempo
andasse em círculos
como se sangrar
fosse um hábito
uma solução
Ainda assim
algo em mim se recusa a desistir
a se vitimizar
não por coragem
mas por teimosia
recolho migalhas
acredito em milagres pequenos
desses que não mudam o mundo
mas salvam o dia
A estrada segue
e eu sigo junto
buscando a arquitetura
de um começo possível
nos escombros do que fui
no avesso do avesso
da minha própria realidade
Dentro de mim
uma flor insiste
em nascer onde ninguém regaria
um pássaro canta
mesmo esquecido pelo bando
não para vencer
nem ser lembrado
mas para existir
Porque esperança
não é promessa
é chama
dessas que tremem
mas não se apagam
e enquanto ela acesa estiver
o resto
a gente ajeita
pra continuar
mesmo ferido
mesmo vazio
mesmo sem garantias
mas vivo.
@opoetatardio — Pedro Trajano
www.opoetatardio.blogspot.com
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Autor:
Trajano (Pseudónimo (
Offline) - Publicado: 16 de dezembro de 2025 08:54
- Comentário do autor sobre o poema: Escrevi este poema sem a intenção de consolar. Ele nasce de uma época em que as grandes promessas já não convencem, em que o heroísmo soa artificial e a esperança precisa ser pequena para ser honesta. Não há aqui desejo de superação espetacular, apenas a tentativa de permanecer. O eu lírico não busca sentido pleno nem redenção. Ele caminha. Observa. Aguenta. O vazio não é metáfora: é peso. A saudade não é nostalgia: é corrosão. A estrada não conduz a um destino claro, porque este tempo já não oferece chegadas evidentes. Este poema não quer explicar o mundo. Tenta apenas testemunhar o peso de existir no próprio tempo — nem antes, nem depois, mas agora.
- Categoria: Reflexão
- Visualizações: 3
- Usuários favoritos deste poema: Arthur Santos

Offline)
Comentários2
Ando por estradas que não prometem chegada...
Bela imagem poética!
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