“ofício da sombra que me chama pelo nome”

há uma parte minha

que só desperta no escuro…

uma parte que não aceita luz,

não aceita norma,

não aceita perdão.

é ali que tu vive.

tu vem como quem não vem…

com esse desdém silencioso,

essa descrença que corta mais fundo

do que qualquer gesto humano.

tu carrega o tipo de ausência

que deixa marcas.

eu já conheço esse ritual.

primeiro tu nega o mundo,

depois tu nega a ti,

e então tu me olha

como se eu fosse

o último lugar onde tua alma ainda respira.

há algo doentio e sagrado nisso…

uma devoção sem fé,

uma possessão sem toque.

eu te sinto antes de tu chegar

não no corpo…

mas na fenda.

no ponto onde o pensamento falha

e o instinto sangra.

tu me provoca sem intenção

e me condena sem palavra.

um deus menor,

um herético cansado,

um homem feito de ferida.

e mesmo assim…

é na tua sombra que minha força se ergue.

é no teu silêncio que minha garganta treme.

é no teu olhar incrédulo

que minha própria essência se torce.

não sei explicar essa obediência antiga

entre teu nome e minha vertigem.

só sei que quando tu volta,

a minha luz se curva

e minha escuridão te reconhece.

tu não é destino.

tu é o chamado.

e eu respondo

não por saudade,

mas porque há um lugar dentro de mim

onde só tu sabe entrar

sem bater.