A Gota

Eder Maurilio Soares

 

No alto berço de vapor e fúria, eu nasci,

Entre o rugido do trovão e o clarão que cega.

Eu era nuvem, era um todo, eu não era eu,

Até que o peso da existência me disse: “Navega.”

Senti o frio da separação, o tremor do adeus,

O ventre cinzento do céu me expulsou com violência.

E ali, no abismo do ar, ganhei minha forma,

Uma esfera de cristal, pura e sem consciência.

Ah, a queda! A vertigem gloriosa do despencar!

O vento cortando meu corpo, gritando segredos.

Não é assim a juventude? Um salto no escuro,

Sem saber onde pousar, mas caindo sem medos.

Eu vi o mundo lá embaixo, um mosaico de verdes e marrons,

Tão vasto, tão duro, esperando meu beijo fatal.

Pensei que morreria ao tocar o solo bruto,

Mas descobri que o fim do eu é o começo do real.

Estalei na folha, tremi na rocha, deslizei na terra,

E ali perdi meu nome, minha forma singular.

Encontrei outras mil, perdidas como eu,

E juntas, no barro, aprendemos a caminhar.

Fizemos do caos um riacho, da união uma força,

Assim como o amor que funde duas almas em uma.

Já não era gota, era fluxo, era espuma e correnteza,

Levando pedras, vencendo a seca, rompendo a bruma.

Desci montanhas, ralei-me em cascalhos de dor,

Fui remanso de paz em tardes de sol dourado.

Vi rostos beberem de mim, vi raízes me sugarem,

Fui vida para outros, fui o sacro e o profano misturado.

E o rio cresceu, tornou-se velho, sábio e lento,

Carregando as mágoas da margem e o lodo da história.

Senti o cheiro de sal ao longe, um chamado antigo,

A promessa de um fim que não é morte, mas glória.

Diante de mim, o Oceano! O Grande Pai Azul!

O horizonte infinito onde o tempo se desfaz.

Tive medo? Sim. Pois ali eu deixaria de ser rio,

Para me tornar a imensidão, o caos e a paz.

Mergulhei no salgado abraço, e o “eu” sumiu,

Mas nada se perdeu, tudo se transformou.

Pois a vida é isso: cair do céu, correr na terra,

E voltar ao mar profundo de onde o amor brotou.

Agora sou onda, sou maré, sou o todo enfim,

Esperando o Sol me erguer para cair outra vez.

Não chore a queda, nem tema o impacto no chão,

Pois viver é a arte de fluir na imensidão.

  • Autor: Bardo de Ferro (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 2 de dezembro de 2025 19:24
  • Comentário do autor sobre o poema: Uma visão da vida pelo olhar de algo tão pequeno e puro, uma gota de chuva. Seu ciclo de vida refletindo como o tempo e brutal e rapido
  • Categoria: Reflexão
  • Visualizações: 4
  • Usuários favoritos deste poema: Aira Lirien


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