Em um mundo cada vez mais marcado pela velocidade das interações e pela superficialidade dos vínculos, torna-se urgente refletir sobre a profundidade ética de nossas ações cotidianas. A dor humana, frequentemente tratada como uma experiência privada, é, na verdade, um fenômeno de alcance coletivo. Toda ação que fere um indivíduo ultrapassa os limites do sofrimento pessoal: ela reverbera silenciosamente no tecido relacional que o cerca, criando ondas de dor que se propagam para além do alcance imediato. O mal, portanto, não é um ato isolado — é um acontecimento social, ético e existencial.
A personalidade humana está em constante formação, sendo moldada por experiências que deixam marcas duradouras. O trauma, nesse contexto, não é apenas um episódio do passado, mas uma presença contínua que se inscreve na subjetividade. Mesmo quando aparentemente superado, ele persiste como uma cicatriz invisível, influenciando decisões, comportamentos e vínculos futuros. A memória traumática, como nos lembra Freud, não se apaga — ela se desloca, se disfarça, mas continua a habitar o sujeito. A ideia de que a disciplina ou a força de vontade bastam para apagar o sofrimento ignora a complexidade da psique humana e a profundidade das feridas emocionais.
Essa constatação impõe uma revisão da forma como concebemos a responsabilidade moral. Cada gesto, cada palavra, cada atitude carrega o potencial de afetar profundamente o outro. Mesmo uma interação breve com um desconhecido pode ser o ponto de inflexão entre a cura e a recaída, entre o alívio e a dor. O poder de afetar o outro — para o bem ou para o mal — exige não apenas consciência, mas responsabilidade. Como propõe Emmanuel Levinas, o rosto do outro nos interpela eticamente antes mesmo de qualquer escolha racional. A alteridade não é um obstáculo à liberdade, mas sua condição de possibilidade.
A ética da convivência, portanto, não pode se limitar à intenção subjetiva. Ela exige lucidez sobre as consequências de nossos atos e sensibilidade diante da vulnerabilidade alheia. Ser moralmente responsável é reconhecer que o outro não é um espelho de nossas projeções, mas um universo singular, dotado de dignidade e merecedor de cuidado. Nesse sentido, a ética não é um código de conduta, mas uma postura diante da vida: um compromisso com o respeito, a escuta e a compaixão.
Em tempos de banalização da violência simbólica e emocional, recuperar a centralidade da responsabilidade moral é um imperativo filosófico. Não se trata de idealismo, mas de sobrevivência coletiva. O mundo que construímos — ou destruímos — começa nos pequenos gestos. E cada gesto, por menor que pareça, carrega o peso de uma escolha ética.
Arthur de Mello Noos
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Autor:
Arthur Mello Noos (
Offline) - Publicado: 20 de novembro de 2025 07:55
- Categoria: Reflexão
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