UMA TERTÚLIA INCOMUM

Arthur Santos

UMA TERTÚLIA INCOMUM

 

os poetas vêm ter comigo

e ficam comigo.

eu digo que me assaltam

e gosto.

 

e assim, inesperadamente,

no meio de um poema que sei de cor,

ouço os sons de Altazor

que Vicente Huidobro

ostenta orgulhosamente.

pergunta-me com curiosidade evidente:

- então o teu poema de hoje?

vai ser irreverente?

- não pensei ainda Vicente...

espera, deste-me uma ideia,

já ouço ao longe o canto da sereia...

 

mal pego na caneta para o escrever,

parece-me ouvir a voz suave e pausada

do meu grande poeta nordestino.

- sai da cama Arthur, já é alvorada,

quero falar-te do amor e da morte.

 

não pode ser engano.

- vem daí Suassuna, amigo Ariano,

atravessaste o oceano,

vieste para ficar,

não te deixo voltar.

 

ficámos os três a conversar,

eu, o Vincente e o Ariano,

tu cá tu lá, mano a mano,

quando se junta uma menina,

imaginem... a Cora Coralina.

- bem vinda ao grupo querida Coralina.

 

aceno-lhe da esquina

da nossa conversa.

- trazes a tua poesia traquina?

- sim Arthur, não vês no teu horizonte

as "Estórias das casas velhas da ponte"?

- vejo sim Coralina mas são contos,

- eu queria poesia...

- eu sabia.

ai Arthur, és tão previsível.

toma lá o meu livro de cordel.

 

aceitei e lá ficámos os quatro,

no paleio, já se vê.

foi então que recordei o João Villaret.

atirei-lhes com ele p'ra cima

e não é que o João

me apareceu com o Jorge de Lima?

dei-lhe razão.

e aqui estou eu com essa "Negra Fulô".

- ah! Jorge de Lima, Jorge de Lima,

esse teu poema me anima.

fica Jorge de Lima.

e ele ficou.

 

nesta tertúlia incomum,

parecia caber sempre mais um.

já éramos seis

contando com o Villaret

e todos, todos ali à minha mercê.

 

a conversa estava amiga e animada,

os temas variavam entre cristãos e ateus,

com o Vicente apaixonadamente a afirmar

que um poeta é um semi deus,

porque é um criador.

- sim Vicente, já percebi

onde queres chegar com todo esse teu ardor.

 

sem avisar, junta-se a nós Lawrence Ferlinghetti.

entre dois abraços e um carinho,

peço-lhe:

- Lawrence senta-te aí um bocadinho,

entra nesta conversa controversa.

ele ignora e desata a falar com paixão

sobre dois varredores de rua num camião.

- sabes Arthur acredito na poesia

mas tenho dúvidas quanto à democracia...

 

os poetas são loucos.

todos loucos, não há nada a fazer.

 

ali ficámos, nesta tertúlia incomum

com sabor a alfazema,

onde parecia caber sempre mais um.

quando nos despedimos...

escrevi este poema.

 

os poetas vêm ter comigo

e ficam comigo.

eu digo que me assaltam

e ainda bem que o fazem.

 

  • Autor: Arthur Santos (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 20 de novembro de 2025 07:46
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 2
  • Usuários favoritos deste poema: Lucas Guerreiro


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