Novembro

despejo metido a poema

        Odeio como tudo grita nessa casa.

        Ouvi que Jung era como Kant no sentido de que acreditava que tudo podia ser alcançado pela palavra. Fiquei horrorizado. Desde então não consigo parar de pensar nisso. Palavrifiquei(?).

        Agora falo como despejo que aumenta da represa que cede impotente e desmaiada. Ridículo, inexato. Fora da linguagem não há nada? Há. Sim - simplesmente afirmo que há pois é uma coisa que não se sabe, só existe claro. Transpor os limites "conformes" da linguagem se torna não mais uma estilização prepotente, exibida, mas uma necessidade inescapável, um refúgio seguro e por enquanto o único lugar possível. Quero e preciso dar liberdade ao que há dentro de mim, que é diferente e não cabe na forma de uma palavra certa. Só escrevo, só digo, só falo, e assim não é como se fosse, é de fato uma ponte entre o que sou e o que faço, é como e através do que me realizo no mundo. Minha linguagem se cruza com a introversão, os livros que li e leio, minhas vontades e desejos, ódios e o que mais quiser jogar aí. É tão forte que até vontade de chorar despeja intranquila e insatisfeita no jorro da expressão escrita. As vezes falada, muito pensada, sempre sentida. Me irrita que tenha que escrever tudo. Me irrita, talvez sem saber, primeiro que não esteja bom. Mas aí me revolto com a ordem estabelecida de construção linguística. Porque eu não consigo. O problema não é a forma da linguagem, é eu não conseguir. Aí a resposta mais fácil é não me culpar, mas a estrutura. Quando a utilizo com satisfação nem penso sobre sua bondade ou não. Reclamação é realmente a arma dos fracos. Uma reação. Não vou dizer que é ruim, porque é só o que podem fazer na tentativa de sobreviver, a ação menos ridícula pelo menos. Mas não é bonito de ver. Quero distância disso. Já não escrevo por beleza, e sim como confissão útil. Me irrita profundamente transpor em palavras minha fraqueza, tão franca pra quem puder descobrir. Estou nu. Essa é a profundeza indesejada, mas e daí? Ninguém vai ler essa merda mesmo. Pelo menos assim desejo. [e se postumamente publico, não me contradigo, pois anônimo e sarcástico permaneço]
         Desde um tempo atrás tenho me dado o luxo de descartar o panóptico espiritual. Se Deus não existe, tudo é permitido - enquanto ninguém vê, ou pode fazer alguma coisa a respeito. Escrevo coisas que dificilmente diria para alguém, e é libertador, ao mesmo tempo que tenho medo que leiam. Só pensar nisso já é humilhante. merjddnznfeznfriusgshfbgsbfgsjkdrgsdkjsjdkfbolococarefrigerantecactovomitosecuracansaçoarhghdjinjsnfhsuyg. Que nojo de mim mesmo forçando minha cara, minhas expressões como um carimbo em asfalto seco. Que prepotência e arrogância em palavrificar o que sinto nessas coisas que machucam de tão afiadas. As palavras, quando usadas de forma errada, machucam. Me sinto cortado, como se usasse lâminas pra aliviar a dor, ironicamente me ferindo. Como um adolescente limitado, pra dizer o mínimo. Sim, as palavras não me fazem feliz, no sentido mais comum da palavra. Mas também dizem que a felicidade é algo diferente, como para os gregos - uma espécie de completude, de virtude em ser útil, potente e capaz. Não um sentimento intenso de gozo descontínuo. As palavras me mostram verdades que não quero ver, como o fato de não ser útil como queria, nem capaz de fazer o que desejo, muito menos potente, a menos que pense em algo despretencioso. Risos secos. Como não me aproximar, ter empatia, de Fernando Pessoa? Lamentei demais com fúria aquela choradeira toda de vida "que não há". Argh, dá vontade de vomitar só de reler isso. Mas meio que compreendo a insatisfação, o "desassossego". É o sentimento mais presente, o que dá mais tempo de indagação, o que mais pede isso, quero dizer. Pensar enquanto há felicidade é uma espécie de suicídio deliberado. Burrice burra. Um burro é só um burro, mas alguém que ousa pensar quando feliz é mais do que burro, é um completo retardado. Destilo meu ódio aqui, e espero que um dia produza coisas bonitas. Realmente quero me conectar de novo com coisas que se sente, e é bom. Sei nem descrever. É com enorme desgosto que confesso: jamais saberei. Ninguém saberá. Porque descrever é matar, empalhar e solidificar pelo tempo. E isso é errado. Nós não temos esse poder. Nem sei se algo mais existe. Mas só sei do avesso, e então escapa. Desejo fortemente me tapar de páginas, hmm. Sim. Sensual, dormir com a sabedoria. Maculá-la, e então descobrir que nunca foi realmente imaculada. Foucault disse que tudo o que fez foi ficção. A abrangência dessas palavras são de perder-se da vista. Tanto que é desconfortável. Algo como a mentira mais verdadeira já verbalizada. Mais do que mitologia, mais que algo arcaico, além. NO MÍNIMO: eu NÃO SEI.

  • Autor: Novembro (Offline Offline)
  • Publicado: 1 de Setembro de 2020 02:32
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 13


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