Do avesso de sentir

Antonio Luiz

estava tudo tão triste

que a tristeza se contorcia de alegria

não por desdém,

mas por saber-se plenamente viva

naquele breu que lhe cabia.

 

a alegria, por outro lado – ali, tão vazia,

sentiu uma pontada profunda

e desconfiou de sua própria claridade:

haveria nela ainda alguma luz

ou apenas o cansaço de brilhar?

 

o medo, com temor de si,

recolheu as bordas de seu imenso corpo

e implorou que o deixassem dormir

— estava exausto de sustentar

todas as noites do mundo.

 

a saudade, antiga e teimosa,

esfregava os olhos tentando lembrar

de quem era mesmo que sentia falta,

mas a falta era tanta e tamanha

que ela se perdia na própria lembrança.

 

a esperança, tropeçando em seu verde,

quis saber por que existia:

se era por promessa de aurora

ou por hábito de abrir janelas

que não davam pra lugar nenhum.

 

e o amor — sempre ele —

num gesto terno de se abraçar,

percebeu que não cabia no abraço:

era grande demais para tanto

e pequeno ao mesmo tempo.

 

no fim, cada sentimento

reparou no outro como num espelho torto:

a tristeza sorria com dentes de chuva,

a alegria chorava um riso transparente,

o medo se encolhia para caber no próprio nome,

e a esperança, sem entender nada,

abria mais uma janela, quase ofegante

para ver se alguém a sentia primeiro.

 

-- esse poema foi publicado em meu blog pessoal (https://antoniobocadelama.blogspot.com/) em 14/11/25 --

  • Autor: Antonio Luiz (Offline Offline)
  • Publicado: 14 de novembro de 2025 10:44
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 3


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