Nosso sangue

Quando eu era mais novo, resolvi que queria ser psicólogo
Pois queria cuidar das pessoas
Cuidado pra mim, naquele tempo, era escutar
Não curar, como minha irmã que fez enfermagem
Ou atender, como meu irmão que fez direito
Ou criar, como minha mãe, que é mãe e costureira
Ou prover, como meu pai, servidor público
Me achava muito diferente deles, que nunca haveria um entendimento entre nós
E eu não percebi que não estava fazendo justamente o que eu queria fazer
Escutar
E percebi que quase ninguém da minha família realmente é escutado
Suas dores, suas lutas, ficam tão envolvidos que quase não temos tempo, ou proximidade, pra só desabafar
E eventualmente eu escutei
E agora vejo o quão ingênua era aquela ideia
Vejo que cuidar realmente está no nosso sangue
No sangue de meu pai, que reconheceu suas ausências e erros, e tenta ser pai, além de provedor
No sangue de minha mãe, que acabou deixando toda a vida de lado pra ser mãe, e só agora está tentando achar a si mesma
No sangue de meu irmão, que além de ser pai, luta, pessoalmente, por causas sociais, por indefesos
No sangue da minha irmã, que já é coordenadora e dedica todo seu tempo e atenção pra certificar que as pessoas da sua cidade e família estejam bem, saudáveis, e protegidas
E agora no meu, que estou aprendendo agora a só escutar
Entender
Cuidar