Às vezes, olho-me no espelho e não reconheço o meu próprio reflexo. O rosto pálido, triste, cansado e sem vida que não parece ser meu.
Ando na rua lotada de carros; vejo rostos apagados atrás dos volantes, como se a vida tivesse lhes sido arrancada em prestações sem fim. Nos bares e botecos, gente se afoga em copos, rindo alto para esquecer que, fora dali, o mundo é uma merda. Pedalo até o trabalho e, por um segundo, invejo essa anestesia voluntária, essa fuga barata vendida a preço de dose.
A escola já não é um lugar onde se aprende; virou fábrica de provas, onde o conhecimento é embalado, etiquetado e jogado em nossa mente como comida ruim enfiada goela abaixo até que percamos o gosto por ele. O que antes despertava curiosidade, agora sufoca — não estudo por preguiça, mas por não querer engolir mais a comida requentada que me servem como saber.
já não sinto tanta felicidade como sentia anos atrás. A inteligência me entristece, quanto mais eu sei, quanto mais procuro sabedoria, entristeço-me cada vez mais.
Escrever já não é tão mágico, foi-se o tempo de coisas bonitas ou românticas nos meus papéis, desenhar também já não me alegra.
Em casa, sinto que meu tempo escorre pelo ralo; na rua, vejo-o ser arrancado de mim a golpes de rotina. A cidade não me devolve nada do que me toma: nem paz, nem sentido. É como se o mundo inteiro tivesse sido projetado para transformar cada minuto em moeda para um bolso que nunca é o nosso.
Sinto que quanto mais eu penso nisso, mais meu tempo se esvai em minhas mãos, eu fico remoendo o passado à noite, a cabeça pesa no travesseiro com tantos pensamentos inúteis, a solidão me enforca, o medo me esfaqueia, a culpa me mata. Quanto mais penso no passado, mais sinto o presente ser sugado como areia fina por um ralo invisível. O tempo não passa — ele é roubado; e, no assalto, somos cúmplices, por sermos distraídos demais para perceber quem segura a arma.
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Autor:
Lilith (Pseudónimo (
Offline) - Publicado: 12 de novembro de 2025 17:18
- Categoria: Triste
- Visualizações: 3

Offline)
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