Noite de fuga / Bohemia do cansaço

Anna Gonçalves

Após um dia cansativo
Trabalho, faculdade, rotina já definida
Fui no meu lugar de reflexão e pensamentos

E ali, entre goles e histórias contadas do meu amigo Reinaldo que já tem tantas e tantas datas... Nasceu em 1950, tem história e lições a ser contadas.
Encontrei um refúgio, uma pausa das batalhas dadas e diarias
Refleti sobre o mergulho interno e senti um certo perigo

Há um perigo nesse mergulho o de se perder nos subterrâneos da própria análise.
O homem que se observa demais
deixa de viver para se tornar o biógrafo de sua própria sombra.
Ele teoriza o amor, disseca a dor,
e a vastidão do mundo se estreita
à cela de uma subjetividade doente.

Tudo passa a orbitar o umbigo envenenado de um ‘eu’
que se crê o centro de um cosmos que lhe é indiferente.

Quem permanece demais em si
foge ao sofrimento ativo da existência à fricção redentora do real.

Mergulhar é necessário, é a humildade do insondável.
Mas viver é um ato de revolta também...
É golpear a superfície do próprio marasmo,
emergir ofegante, com o sal da realidade queimando os olhos,
e aceitar o fardo pesado e glorioso de estar, simplesmente, no mundo.

Comentários +

Comentários2

  • Versos Discretos

    É um belo ensaio filosófico brilhante, disfarçado de reflexão pós-rotina.
    O contraste entre o cotidiano e o perigo do mergulho interno é incisivo. A imagem do homem que se torna "o biógrafo de sua própria sombra" é de uma profundidade e beleza raras. É um elogio à necessidade urgente de viver, defendendo que a fricção redentora do real é mais importante que a introspecção doentia. Uma verdadeira lição.

  • Shmuel

    ..."Mas viver é um ato de revolta também...

    Muito bom!



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