Deformação

Marujo

 

Eu tenho sonhos, você sabia, querido leitor?
E neles eu me vi confessando algo vagamente similar a amor.
E, para minha surpresa (até mesmo em um sonho isso é novo pra mim),
ela disse que estaria disposta a aceitar meus braços finos
e, sem pudor, me acompanhar na minha via-crúcis.

 

Eu choro às vezes, você sabia disso, meu atencioso leitor?
Eu me viro de um lado pro outro da cama e nunca encontro uma saída.
Eu abraço os mesmos travesseiros que, não importa o quanto deseje,
ainda não possuem calor, ainda não possuem rosto,
não importa o quanto eu implore  eles não têm nada parecido com o toque,  
ou paixão que se espera de algo humano.   

 

Eu escrevo poesia eu escrevo poesia toda hora todo dia todo singular ano e vou morrer ainda escrevendo a mesma poesia mais deformada mais doída mais madura e impossivelmente cínica mais doida e menos sequer parecida com as palavras meticulosamente ritmadas e escritas cuidadosamente expelidas pois as minhas são abortadas vomitadas cirurgicamente arrancadas do meu ser que não sabe do meu ser sem peito ou córtex puro do meu ser sóbrio e portanto sensível frágil patético impossivelmente conciso. 

 

Eu fui dormir e tentei não acordar.
Eu fui sonhar e tentei não acordar.
Eu fui querer e tentei não acordar.
Eu fui eu mesmo e tentei não mudar.

Eu sonhei — e depois matei uma mulher que amava.

  • Autor: Marujo (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 11 de novembro de 2025 02:42
  • Categoria: Amor
  • Visualizações: 3


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