Enquanto o Tempo Passa Devagar.

Kayan Samuel

 

 

Manhã

A claridade chega antes do som.

A cidade ainda não acordou, mas o céu já começa a mudar de tom, como se alguém tivesse riscado o cinza com leveza.

Da janela, o mundo parece calmo, quase frágil, as árvores ainda úmidas, o ar frio encostando no rosto.

Aqui dentro, a respiração é lenta, o chão frio sob os pés descalços.

O corpo tenta entender o que é começo.

Há uma serenidade estranha no ar, uma que dói de tão leve.

 

Penso em como o tempo anda sem me pedir licença.

Lá fora, tudo se move.

Aqui dentro, só o relógio insiste em lembrar que o dia já começou.

 

Tarde

O sol entra como quem exige atenção.

A luz corta o quarto e me obriga a ver o pó dançando, pequenas partículas brilhando como se o ar tivesse vida própria.

Lá fora, as vozes crescem, o mundo se apressa, a vida parece em movimento constante.

Mas eu fico.

Fico olhando os telhados, o cachorro da esquina, a roupa no varal balançando preguiçosa.

 

Aqui dentro, o pensamento vai e volta, feito onda.

A mente fala mais alto que o mundo.

O corpo pede pausa, e eu deixo.

É curioso como até o silêncio tem som quando se presta atenção demais.

 

Noite

O sol foi embora, e o ar mudou de textura.

O frio chega sem avisar, e o vidro da janela agora reflete mais do que mostra.

Lá fora, as luzes se acendem devagar, cada casa criando seu próprio universo pequeno.

Os sons da rua diminuem, o riso distante, o motor cansado, uma porta que fecha tarde demais.

 

Aqui dentro, tudo parece mais nítido.

A solidão tem cheiro de café velho e roupa esquecida na cadeira.

A casa fala baixo, o chão estala, o relógio continua teimoso.

Olho o reflexo e percebo que, de certa forma, o dia também me observou, ele me viu existir, calado, como quem acompanha um filme sem entender o enredo.

 

Madrugada

O mundo adormece, e o tempo finalmente se deita.

A janela é só um retângulo escuro agora, mas ainda me prende o olhar.

Lá fora, um vento miúdo varre o resto do dia, e o silêncio tem peso de confissão.

Aqui dentro, o ar é denso, o corpo cansado, mas a mente ainda acordada.

Penso em tudo o que não disse, em tudo o que o dia me mostrou e eu não soube responder.

 

Fecho os olhos, não por sono, mas por rendição.

A casa respira comigo.

O mundo lá fora também.

 

E por um instante, há equilíbrio.

Eu, o vidro, o vento, o tempo.

Tudo quieto.

Tudo vivo.

Tudo findando com a delicadeza de quem já entendeu que nada precisa durar pra ser verdadeiro.

  • Autor: Kayan Samuel (Offline Offline)
  • Publicado: 28 de outubro de 2025 02:28
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 3
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