Manhã
A claridade chega antes do som.
A cidade ainda não acordou, mas o céu já começa a mudar de tom, como se alguém tivesse riscado o cinza com leveza.
Da janela, o mundo parece calmo, quase frágil, as árvores ainda úmidas, o ar frio encostando no rosto.
Aqui dentro, a respiração é lenta, o chão frio sob os pés descalços.
O corpo tenta entender o que é começo.
Há uma serenidade estranha no ar, uma que dói de tão leve.
Penso em como o tempo anda sem me pedir licença.
Lá fora, tudo se move.
Aqui dentro, só o relógio insiste em lembrar que o dia já começou.
Tarde
O sol entra como quem exige atenção.
A luz corta o quarto e me obriga a ver o pó dançando, pequenas partículas brilhando como se o ar tivesse vida própria.
Lá fora, as vozes crescem, o mundo se apressa, a vida parece em movimento constante.
Mas eu fico.
Fico olhando os telhados, o cachorro da esquina, a roupa no varal balançando preguiçosa.
Aqui dentro, o pensamento vai e volta, feito onda.
A mente fala mais alto que o mundo.
O corpo pede pausa, e eu deixo.
É curioso como até o silêncio tem som quando se presta atenção demais.
Noite
O sol foi embora, e o ar mudou de textura.
O frio chega sem avisar, e o vidro da janela agora reflete mais do que mostra.
Lá fora, as luzes se acendem devagar, cada casa criando seu próprio universo pequeno.
Os sons da rua diminuem, o riso distante, o motor cansado, uma porta que fecha tarde demais.
Aqui dentro, tudo parece mais nítido.
A solidão tem cheiro de café velho e roupa esquecida na cadeira.
A casa fala baixo, o chão estala, o relógio continua teimoso.
Olho o reflexo e percebo que, de certa forma, o dia também me observou, ele me viu existir, calado, como quem acompanha um filme sem entender o enredo.
Madrugada
O mundo adormece, e o tempo finalmente se deita.
A janela é só um retângulo escuro agora, mas ainda me prende o olhar.
Lá fora, um vento miúdo varre o resto do dia, e o silêncio tem peso de confissão.
Aqui dentro, o ar é denso, o corpo cansado, mas a mente ainda acordada.
Penso em tudo o que não disse, em tudo o que o dia me mostrou e eu não soube responder.
Fecho os olhos, não por sono, mas por rendição.
A casa respira comigo.
O mundo lá fora também.
E por um instante, há equilíbrio.
Eu, o vidro, o vento, o tempo.
Tudo quieto.
Tudo vivo.
Tudo findando com a delicadeza de quem já entendeu que nada precisa durar pra ser verdadeiro.
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Autor:
Kayan Samuel (
Offline) - Publicado: 28 de outubro de 2025 02:28
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 3
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