FRATRICÍDIO

eduardo cabette

         O irmão caçula.

         O irmão mais velho.

         Quinze anos de surras,

         Quinze anos de exploração,

         Quinze anos da morte dos pais,

         Quinze anos ausentes de amor

          paterno

          fraterno

         ou qualquer outro.

         O irmão mais velho

         e um tabefe.

         O irmão caçula

         e o beijo frio no chão.

         O irmão mais velho sorri.

         O caçula chora, morde os lábios,

         Odeia.

         A faca, o salame.

         A faca corta o salame.

         O salame bate no caçula.

         Um pedaço desce goela abaixo

         do mais velho.

         Risos, humilhações,

         repreensões, ordens,

         mais humilhações...

         E o dinheiro?

         O irmão mais velho

         toma dinheiro do caçula.

         A faca, a mesa.

         A faca sobre a mesa.

         O irmão caçula,

         os olhos, as lágrimas,

         O Ódio!

         A mão do caçula treme.

         O mais velho recosta-se,

         distrai-se...

         Faca e mãos tremem,

         o  caçula tem Ódio,

         tem a faca.

         Os pés amedrontados caminham.

         A cabeça é só Ódio.

         Corpo e alma caminham juntos!

         A faca é pontiaguda,

         feita para matar

         ou cortar salame.

         O caçula também

         só que traçaram seu destino.

         O irmão mais velho

         quase dorme.

         A faca descreve um movimento

         frenético até o coração da vítima.

         Sangue, sangue, sangue...

         Nem houve tempo para um grito.

         O irmão mais velho morreu.

         O irmão caçula

         entreabre um sorriso.

         O corpo são tremores,

         os pensamentos inexistem.

         De repente,

         Choro, desespero, arrependimento,

         tarde, tarde...

         Volta o sorriso,

         transforma-se em riso

         alto e incontrolável.

         O irmão mais velho,

         o sangue.

         O caçula corta um dedo,

         o sangue tem de ser diferente,

         Não é!

         O caçula estático.

         O sangue, a fresta da porta.

         O sangue escorre para a rua.

         Um vizinho, dois vizinhos,

         gente da redondeza, gente de longe,

         multidão.

         Polícia.

         Porta arrombada.

         Multidão para dentro.

         Cena horrenda,

         gritos horrendos.

         O caçula, a faca vermelha.

         O mais velho, o peito dilacerado.

         O caçula e mais facadas,

         mais Ódio,

         mais riso,

         mais choro,

         mais arrependimento,

         quinze anos em facadas.

         Brados na multidão:

         Louco!

         Fratricida!

         Assassino!

         Cruel!

         Vamos linchar!

         Policial impotente,

         Paralisado.

         O caçula para,

         olha ao redor,

         não ouve, não vê...

         Lambe os dedos sujos de sangue.

         O caçula

         sente o amargor da morte,

         experimenta, experimenta mais,

         nada o satisfaz.

         Qual é o gosto da morte,

         o gosto integral?

         Decide senti-lo,

         já que a doce vida jamais existiu.

         A faca, o peito do caçula,

         A morte!

 

 

  • Autor: eduardo cabette (Offline Offline)
  • Publicado: 24 de outubro de 2025 17:04
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 3


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