Carta ao já ido

Oréon

Hoje vi um vídeo de um filme oriental, onde falava-se que nada que acontece é esquecido, mesmo que não lembre-se. Me pergunto se há verdade nisso? Já vivi muito, olhei, andei, conversei e observei pessoas, lugares e sentimentos. Mas alguns ainda me fogem à lembrança. O último adeus, o último sorriso, a última brincadeira e risada. Os abraços que levei deles já não me esquentam mais. Seria só isto? Nossas experiências reduzidas a memórias falhas, exdrúxulas, maquiavélicas que acabam por nos sabotar ao ponto de esquecer? Que, além disso, nos fazem ignorar, rejeitar e negar esses momentos? Eles não voltaram nunca mais! Os segundos que agora só vivem na eternidade de meu vazio já estão esquecidos. Sinto que há em mim tantas outras vidas a serem lembradas. Tantas outras frases, palavras e ações. Tantas outras, viagens, abraços e gargalhadas descontraídas. Seria isto então? Nossa vã lembrança agora há de nos trair? De nos acorrentar a sentimentos de lapso que já não existem. Me pergunto se eu ao menos tenha respondido sua última pergunta, seu último desejo. Tenha ao menos desejado uma boa viagem e vida. Creio que nem isto veio a mim nesses momentos. Agora essas recordações só vivem na mente dos observadores em segundo plano. Seria ainda mais honrado dizer que o único que lembra com exatidão as últimas palavras foram as árvores passivas, os pássaros anônimos e o vento, que hoje ainda carrega sua pergunta, fazendo-me jurar ouvi-la quase que novamente ao som da brisa da tarde. Quase posso ouvir o adeus despretensioso, o tchau apressado e o eu te amo genérico. Resta agora eu, só por mim e pelos muitos que já foram e vieram de minha tão longa e solitária estação.

  • Autor: Oréon (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 22 de outubro de 2025 23:42
  • Comentário do autor sobre o poema: Madruga tensa
  • Categoria: Reflexão
  • Visualizações: 4


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