“Você tem um top 10 das maiores invenções na sua cabeça?” ela perguntou.
Eu disse: “Tenho, por exemplo: o top 10 é o prazo de validade.”
“Você quer dizer aqueles números impressos atrás dos pacotes de salgadinhos?”
“Quase, é só um nome genérico.”
“E o que tem de grandioso nisso?”
Eu disse: “Tudo neste mundo tem prazo de validade, até a água. Embora o resultado seja sempre a deterioração, o prazo de validade é a promessa que ela me faz. Antes daquela data eu a acredito incondicionalmente.”
Ela perguntou: “Você confia pouco nas pessoas?”
“As palavras perdem a cor, e as mentiras lhes acrescentam tijolos.”
Ela torceu a boca: “E o top 9?”
Eu disse: “O top 9 é a vírgula.”
“Hã?” ela ficou com cara de interrogação. “Só para preencher a contagem de palavras numa redação?”
“Não. Os sinais são muito especiais, diferente dos radicais do chinês que podem achar facilmente sua outra metade, a vírgula tem somente a si mesma. Comparado a uma frase longa dita de uma só vez, eu prefiro quebrá-la e dizê-la devagar,
suas pequenas pausas me dão tempo para pensar, é uma cooperação grandiosa.”
“O ponto final não deveria ser mais importante?”
“O ponto final representa o fim. E nada é mais frio do que o fim"
“Então eu espero que entre nós nunca haja ponto final”
“O top 8 é o diário.”
“Você finalmente disse algo que faz sentido, é porque registra seus fragmentos do dia a dia?”
“Não só por isso. A grandeza do diário é registrar o que você pensava naquele momento.
Escrevo sobre a dor do crescimento na primavera, sobre a terra amarela do planalto de Shanbei que se estende até o horizonte. O que sonhei, o que recordei. Minha decadência, minha mesquinharia, minha confusão, meu entusiasmo. Eles são mãos invisíveis que apertam minha garganta, são a água que bloqueia meus ouvidos. E a voz rouca que emerge e me diz: ‘Ou você engole, ou você expressa.’”
“E você mente no diário?”
Eu disse: “Às vezes.”
“Isso é traição.”
“Ela também sou eu.”
“Diga o que quiser,” ela respondeu.
“Top 7: a flor de osmanthus.”
“A obra do Criador, né?”
“Sim. Cada obra Dele precisa ser compreendida. A gente fica na superfície: quando falam em osmanthus logo pensam no bolo de osmanthus.”
“Não despreze o bolo de osmanthus, eu gosto dele.”
“Hum. Eu não tenho muita noção de estações, mas um dia, quando senti o cheiro do osmanthus na rua, soube que já era outono.”
“O osmanthus é a neve do outono, não é?”
“Muito romântico.”
“Top 6 é o fuso horário.”
“Ah, não quero lidar com questões de geografia agora.”
“O professor disse: a cada 15° nasce um novo fuso horário; a cada fuso que se vai para oeste, o tempo retrocede uma hora, isso soa como um poder divino que permite ao homem recuperar o passado.”
Ela abanou a mão: “Discordo. A Terra tem um meridiano zero; você não volta ao passado.”
“Bah, eu não vou a lugar nenhum mesmo, posso muito bem fingir que ele não existe.”
“Ok, isso é bem a sua cara.”
“Top 5 - escolho… a probabilidade de chuva de 30% na previsão do tempo.”
“Por que não 100%?”
“Porque 100% é desespero certo, 0% é tédio certo. Só 30%: ela te diz abertamente que há 70% de chance de não chover, então você pode sair tranquilo e fazer o que quiser. Os 30% restantes são o suspense e a poesia da vida. Você sai de casa apostando contra o acaso, e o guarda-chuva na sua mão pode te atrapalhar o dia inteiro...ou te fazer sentir orgulho pela própria prudência."
“Você consegue transformar tudo em poesia, né”
“O mundo me dá um soco, e eu digo: ‘Aposto que da próxima vez você vai jogar papel.’”
“E o top 4?” ela perguntou.
“O 4...o número quatro.”
Ela já parecia acostumada; apenas assentiu e disse: “Agora nada que você diga me surpreende mais. Diga a razão.”
“Você não acha que o 4 carrega um peso que não devia?” eu sorri. “Os chineses são muito supersticiosos. Evitam esse número só porque soa como a palavra 'morte', e por isso carrega mais culpa do que deveria. Ele vem suportando injustamente tanto medo por causa disso. Mas, no final de contas, é só um número. Um número muito forte.
“Então você está defendendo o 4?”
“Um aplauso pela minha ousadia.”
Ela riu “Parabéns, doutora advogada, sua defesa foi aceita.”
“Top 3?”
“As lágrimas.”
“Você sabe que estamos falando de invenções, certo?”
“As pessoas acham que chorar é vergonhoso, mas eu acho que as lágrimas são pesos feitos sob medida. São quentes porque carregam emoções fortes, por isso, conseguem mover a balança dentro do coração.”
“Quer dizer que elas têm peso?”
“Sim.”
Ela disse: “Você está me deixando meio triste com isso.”
“Top 2 eu escolho…” - fiz uma pausa - “uma garrafa.”
Ela se inclinou olhando para mim: “Achei que estava seguindo seu ritmo.”
“Hum. Um dia eu vou desaparecer. Então quero misturar minhas cinzas com terra e colocá-las dentro dessa garrafa. Vou dar uma a cada pessoa que já me fez chorar. E dentro, que plantem o que acharem que combina comigo. Depois, quero esconder meu vaso em uma montanha onde ninguém vá, e plantar azaleia. Esse será o meu túmulo.”
“Bem excêntrico. Isso me lembrou de uma frase de O Pequeno Príncipe: não temos medo de chorar, mas é preciso que valha a pena.” Ela perguntou: “Posso reservar um pedacinho?”
“Isso soa cruel...eu ainda não tinha pensado nisso.” Mas depois de refletir um pouco eu disse: “O osso da mão.”
“Por quê?”
“Porque os dez dedos se ligam ao coração.”
Ela ficou em silêncio por um tempo. “Isso é uma confissão?”
Eu disse: “Adivinha.”
“Top 1, o primeiro lugar: ‘Boa noite' ”
“Qual o motivo?”
Eu disse: “Porque eu gosto.”
“Gosta mesmo?”
“Gosto.”
“Então… boa noite”
“Boa noite”
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Autor:
a11x (
Offline)
- Publicado: 19 de outubro de 2025 19:52
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 1
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