Inocência esquartejada

Anna Gonçalves

Pois hoje assumo que havia uma mentira em mim, como aquele algodão doce envolvente.

Um mundo de estampas, onde o mal era um boato e muito, mas muito perigoso, uma invenção dos amargos.

E a vida não pede pra entrar. Ela arranca o disfarce de um só golpe.

E  de repente, você vê.

Não é um ver com os olhos. É uma convulsão na alma.

É o espetáculo da feiura, o riso podre da crueldade, a podridão serena sob o mármore revestido.

A inocência não morre, ela é esquartejada, e você é forçado a assistir de dentro.

E essa quebra... meu Deus, não é uma tragédia nenhum pouco elegante.

É um nó na garganta que não desce, um furo no peito que não estanca.

É o desespero mudo e asqueroso de entender que você terá que LHE DAR.

Terá que negociar, TODO santo dia, com esse monstro infernal de mil e uma faces.

Terá que sujar as mãos, manchar a alma, para nele sobreviver.

Mas é aí, bem no fundo, no contato íntimo com o horror, que algo se incendeia.

Você é esvaziado de tudo que era protegido, frágil e doce.

E no lugar, eles despejam a escória do mundo se uma forma mundana...  A traição, a indiferença, a lama.

E você descobre...  Como sentir um gosto podre terrível, que está andando sobre ela.

Está mais forte. Não uma força bonita. Uma força construída, retorcida, verdadeira.

Porque a pureza intacta é uma deficiência. É uma leveza de quem não tem peso, não tem história.

A criança imaculada é apenas um rascunho do ser humano.

Ela é leve, leviana em sua redoma de vidro

Vê o mundo inteiro em sua visão talhada

O verdadeiro homem, o inteiro, é aquele que carrega consigo o paraíso e o inferno.

Que conheceu o êxtase e o vomitou, que bebeu da tristeza até a última gota.

Só depois de ter sido despedaçado e remendado com a cola grossa da experiência...

Só depois de ter encarado a degradação e não ter enlouquecido...

Só então você pode olhar para o mundo e dizer, com uma voz rouca que não é mais sua, mas é a única que lhe resta...

                        [Agora te conheço.]

E agora, finalmente, você passa a entender, que pra tudo isso não basta apenas existir só beleza no mundo...

  • Autor: Anna Gonçalves (Pseudónimo (Online Online)
  • Publicado: 18 de outubro de 2025 00:13
  • Categoria: Conto
  • Visualizações: 6
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Comentários +

Comentários1

  • JT.

    Vigi, bravíssimos, li até a ultima palavra e amei.
    Só que sendo meio bronco, não entendi nada que você, quis e disse.
    Risosss
    Bom Dia e vida longa.
    JT



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