Abissal

Eles me cansam. 
Os vejo ficarem apreensivos, como ficavam com a minha mãe. 
Sei que deveria mudar, mas seus clamores nunca cessam;
Eles só fazem isso porque ainda estão bem. 

Escolho viver naqueles sonhos confortáveis. 
Odeio as responsabilidades porque elas sempre vem antes de mim. 
Minhas vontades não são estáveis, 
eu sempre acabo me rendendo ao vazio no fim. 

Não vivo, não sobrevivo. 
Não cresci dentro da guerra, mas há uma guerra crescente dentro de mim. 
Eu apenas existo, 
Como se fosse feito pra ser assim. 

Como se eu tivesse que carregar no seio algo que é seu;
Como se eu fosse mãe;
Como se não pudesse ser eu;
Como se os dias fossem números, não lembranças presas no véu;
Como se eu tivesse que olhar no espelho, mas o reflexo já não fosse meu. 

Quando quero aqueles olhos, vazios, abismais, 
Ao invés dos meus, humanos, vivos, 
É porque quero que você fuja,
Não que venha me cumprimentar com sorrisos. 

Talvez eu só ache mais fácil
Lidar com o não sentir, 
Do que com a responsabilidade
De existir.