Tenho um amigo chamado Joãozinho. Quase um irmão. Parecido comigo na sensibilidade à flor da pele e nessa maldição de enxergar o que os outros preferem ignorar. Por isso, é uma das raras pessoas que me entende sem precisar apertar a tecla SAP da alma.
Essa semana, num daqueles diálogos virtuais que começam banais e terminam existenciais, ele me confidenciou algo bonito: ainda tem esperança de que sua vida melhore. Num primeiro instante, respeitei. Admirei até. Que virtude nobre — essa capacidade de acreditar no amanhã. Pena que não nasceu comigo.
Mas meu silêncio durou o tempo de um mate cevado às pressas. Tive que, insensivelmente, jogar-lhe um balde de realidade — sem gelo, mas bem amarga.
Disse a ele que não carrego a mínima esperança de que minha vida vá melhorar. O que posso — e devo — trabalhar, com disciplina quase monástica, é a forma como a encaro. Essa, sim, precisa ser moldada, lixada, repintada a cada dia. Porque a vida em si é um projeto condenado de fábrica, mas a percepção pode ser customizada.
Claro, há exceções: uma herança perdida, uma mega-sena da virada, um golpe de sorte que descarrile o trem do destino. Mas como até jogando bolinha de papel no lixo eu erro o alvo, prefiro não gastar o pouco otimismo que me resta em apostas.
O que tentei dizer ao Joãozinho é que a vida é um longo e fedorento lago de fezes — com alguns animais mortos boiando de brinde — pelo qual todos temos de atravessar. Não há atalhos, não há botes, e o fedor é parte do pacote. O truque está em escolher a fuga correta: uma máscara contra odores, um pouco de Vick Vaporub nas narinas, respirar somente pela boca ou até mesmo a serenidade de quem sabe que o mau cheiro é universal.
A merda sempre estará lá.
Mas há quem afunde, e há quem atravesse com elegância — cuidando apenas para não abrir a boca no meio do caminho.
Moral — se é que há alguma: não espere que o lago deixe de feder. Aprenda só a respirar menos fundo.
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Autor:
Maicon Rigon (
Offline)
- Publicado: 15 de outubro de 2025 12:42
- Comentário do autor sobre o poema: Texto originalmente publicado em meu Blog pessoal: https://maiconrigon.home.blog/
- Categoria: Triste
- Visualizações: 3
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