Manual Prático de Sobrevivência no Lago das Fezes

Maicon Rigon

Tenho um amigo chamado Joãozinho. Quase um irmão. Parecido comigo na sensibilidade à flor da pele e nessa maldição de enxergar o que os outros preferem ignorar. Por isso, é uma das raras pessoas que me entende sem precisar apertar a tecla SAP da alma.

Essa semana, num daqueles diálogos virtuais que começam banais e terminam existenciais, ele me confidenciou algo bonito: ainda tem esperança de que sua vida melhore. Num primeiro instante, respeitei. Admirei até. Que virtude nobre — essa capacidade de acreditar no amanhã. Pena que não nasceu comigo.

Mas meu silêncio durou o tempo de um mate cevado às pressas. Tive que, insensivelmente, jogar-lhe um balde de realidade — sem gelo, mas bem amarga.

Disse a ele que não carrego a mínima esperança de que minha vida vá melhorar. O que posso — e devo — trabalhar, com disciplina quase monástica, é a forma como a encaro. Essa, sim, precisa ser moldada, lixada, repintada a cada dia. Porque a vida em si é um projeto condenado de fábrica, mas a percepção pode ser customizada.

Claro, há exceções: uma herança perdida, uma mega-sena da virada, um golpe de sorte que descarrile o trem do destino. Mas como até jogando bolinha de papel no lixo eu erro o alvo, prefiro não gastar o pouco otimismo que me resta em apostas.

O que tentei dizer ao Joãozinho é que a vida é um longo e fedorento lago de fezes — com alguns animais mortos boiando de brinde — pelo qual todos temos de atravessar. Não há atalhos, não há botes, e o fedor é parte do pacote. O truque está em escolher a fuga correta: uma máscara contra odores, um pouco de Vick Vaporub nas narinas, respirar somente pela boca ou até mesmo a serenidade de quem sabe que o mau cheiro é universal.

A merda sempre estará lá.
Mas há quem afunde, e há quem atravesse com elegância — cuidando apenas para não abrir a boca no meio do caminho.

Moral — se é que há alguma: não espere que o lago deixe de feder. Aprenda só a respirar menos fundo.

  • Autor: Maicon Rigon (Offline Offline)
  • Publicado: 15 de outubro de 2025 12:42
  • Comentário do autor sobre o poema: Texto originalmente publicado em meu Blog pessoal: https://maiconrigon.home.blog/
  • Categoria: Triste
  • Visualizações: 3


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