O Sal Tingido de Sangue

Francisco Claudio da Costa (Claudio Gia)

O Sal Tingido de Sangue

A batalha do sal: pescadores enfrentam a Cirne em Macau

Conflito em terras da União
Na Macau das salinas, o cheiro do mar misturava-se ao do sal e à tensão. A empresa salineira Cirne, hoje conhecida como Salinor, tentava expandir suas operações às custas das terras da União, desalojando pescadores e violando tradições centenárias. O cenário transformou-se em um verdadeiro campo de batalha, onde a sobrevivência dos trabalhadores era medida a bala.

Antes mesmo de chegar à área conhecida como “Barraca”, a cerca de 500 metros de distância, os pescadores já eram recebidos a tiros por vigilantes armados a serviço da empresa.

Resistência e violência
As páginas dos jornais da época relatavam o cotidiano de medo e resistência. Pescadores como Claudio Gia enfrentavam a violência da Cirne, amparada por uma força policial que ultrapassava cinquenta homens e, segundo depoimentos, agia em defesa da empresa.

Nessa luta, vidas foram ceifadas e muitas outras marcadas pela dor: Dundum tombou, Manuel — filho de Vicente — foi baleado, e Wanderlúcio Rodrigues (“Torinho”) também foi atingido durante os confrontos na área da Barraca.

A situação chegou ao limite quando, na noite em que Manoel foi baleado pela segunda vez, os vigilantes intensificaram os ataques e foi imposto um toque de recolher, decretado simultaneamente pelo comandante da Polícia Militar e o delegado da época, Major Araújo.

Judiciário parcial e denúncias de corrupção
Segundo a matéria, a juíza Carmen Verônica Calafange, que se declarava filha de salineiros, afirmava que Claudio Gia seria um dissidente da Colônia de Pescadores Z9 — o que nunca correspondeu à verdade. Essa estratégia tinha como objetivo desacreditar as lideranças e abafar as denúncias que vinham à tona.

Por trás dos processos, ventilava-se a suspeita de que decisões judiciais e procedimentos do Ministério Público poderiam ter sido influenciados por presentes em forma de camarão e peixe (“barraca”), símbolo da troca de favores entre a fartura da pesca e a fraqueza da lei local.

O caso ganhou ainda mais gravidade quando se descobriu que um funcionário do Ministério Público de Macau era casado com um dos vigilantes da Cirne, acusado de participar diretamente do ataque a Manoel. A repercussão foi tamanha que o MPRN em Macau foi obrigado a sair de dentro do Fórum Municipal, marcando o início de mudanças institucionais na cidade.

Reuniões e articulação política
Diante do agravamento do conflito, diversas reuniões foram realizadas entre autoridades e representantes dos pescadores. Participaram o dirigente da empresa, Airton Paulo Torno; o prefeito da época, Zé Antônio; e lideranças locais como o pescador Baracho, que chegou a enfrentar o delegado Inácio, acusado de dizer que os pescadores não poderiam comercializar peixes da área em disputa.

A denúncia se estendia também às próprias polícias, cujos membros pescavam dentro da área em litígio, chegando a utilizar presos da Justiça para realizar a pesca em nome da empresa.

Apoios e denúncias oficiais
A resistência dos pescadores só ganhou fôlego graças a uma rede de apoio formada dentro e fora de Macau. Claudio Gia, que nunca foi dissidente, rompeu o silêncio institucional e levou as denúncias adiante.

Ele contou com o apoio de Benito Barro, dirigente do campus da UFRN em Macau; do padre Murilo de Paiva; da Comissão Justiça e Paz; da Igreja Católica local; e de lideranças políticas como o ex-deputado estadual Floriano Bezerra de Araújo, a governadora Wilma de Faria (in memoriam) e a deputada Fátima Bezerra.

A governadora Wilma de Faria chegou a pedir ao procurador de Justiça do Estado que assumisse o caso, buscando uma solução pacífica e institucional para o conflito. Também estiveram presentes e ouviram os pescadores representantes da Ouvidoria da Polícia Militar, da Corregedoria da Polícia Civil, além do secretário de Direitos Humanos padre Fábio e de Roberto do Monte, ambos com grande contribuição para o desfecho do conflito, que durou anos até cessar.

Denúncias em Brasília e mudança institucional
As denúncias foram levadas até Brasília, onde Claudio Gia entregou pessoalmente um dossiê ao presidente Lula, rompendo protocolos e revelando a gravidade das violações de direitos humanos ocorridas em Macau.

A mobilização resultou em mudanças profundas no Judiciário local e no Ministério Público, que passaram a atuar com maior transparência e responsabilidade.

Memória e esperança
Anos depois, a luta dos pescadores de Macau é lembrada como um marco na história da resistência popular e ambiental do Rio Grande do Norte.
A história daqueles que tombaram — Dundum, Manoel, Torinho — permanece viva na memória do povo que se recusou a entregar a vida, a terra e a dignidade ao sal e ao silêncio.

  • Autor: Claudio Gia (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 14 de outubro de 2025 16:59
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 4


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