Não direi que é amor

Leonardo Ramos

 

 

Senta-te comigo e observemos a primavera,

que chega sozinha, silenciosa, em um vento leve.

Chega em um dia claro, de céu azul — azul como são os teus olhos.

Às vezes, não a percebemos no quintal; não a percebemos pular as janelas.

Não até que os pássaros cantem, e os insetos se multipliquem,

não até que a chuva das mangas comece,

até que cantem as cigarras,

e que o calor e o frescor de setembro se alternem.

 

Senta-te comigo, sobre a grama florida que plantei para ti,

com teu vestido mais bonito — aquele branco, com rosas vermelhas estampadas.

Olhemos a manhã, a brisa que passeia em teus cabelos.

Fiquemos aqui, contemplando a tarde e a inocência frágil das borboletas.

Observemos a joaninha nas pontas de teus dedos, com que tu, tão séria, brincas.

Ouça: o “laranjeiro” insiste em cantar,

enquanto não fazemos nada,

enquanto as nuvens passeiam,

enquanto todos estão esquecidos de nós,

enquanto o sol se põe.

Pausemos o mundo e lembremos das saudades deixadas pelos vagalumes.

Ouça o ribeirão, o silêncio da noite e das estrelas,

a lua tímida beijando as águas escuras...

Ao anoitecer, tantos são os sapos que entoam seus cantos no brejo.

 

Senta-te, querida, e olhemos o tempo e a chuva,

as águas que correm e que não retornam,

nossas vidas que não foram vividas,

essas conjunções repetidas e perdidas entre linhas.

Que teus olhos grandes contemplem o que poderíamos ter sido,

mesmo nos dias tristes e frios,

daqueles em que as memórias ressurgem, maldosas, e nos maltratam,

daqueles em que a solidão sussurra segredos aos nossos ouvidos

e o coração entristecido se encolhe, chora baixinho.

Que eu limpe estas lágrimas que agora derramas

ao som da minha voz e das coisas que te digo.

 

Senta-te, e oremos, mesmo que não tenhamos fé em Deus algum.

Oremos pelas crianças que fomos,

e por aquelas que não cresceram.

Oremos por aqueles que atrapalharam a felicidade delas,

porque de nada nos vale nutrir ódio por eles —

eles, que não se importaram conosco.

Não chores; façamos, de conta, um reino de fadas e castelos.

Façamos amigos!

 

Senta-te, Helena, e observemos nossos amigos:

os que sempre foram, e os que fingiram sê-lo.

Que sejam mais felizes do que fomos,

que amem mais do que amamos,

e que não se percam como nós nos perdemos

nas montanhas entre aqueles que nos ofereceram sorrisos cínicos.

Que não recebam o olhar de desprezo.

Que possam admirar esta primavera, mesmo que a ignorem.

Olhemos como os olhos deles se perdem no céu em que nós mesmos nos perdemos.

 

Senta-te, doce Helena, e lembremos das pessoas que fomos,

quando o tempo ainda tinha morada em nossas mãos,

e de quando nos desejamos, mesmo sem consciência desses desejos.

Que possamos esquecer este silêncio que nos confessa.

Não por acaso meus dedos tocaram os teus, quando estavas ao meu lado,

e, tímidos, buscaram tuas mãos entre a grama e o ramalhete de flores que tu fizeste.

Teu olhar, distraindo-se no meu, não foi dado querendo me descobrir?

Que não fomos prometidos um ao outro — é verdade.

E é também verdade que não prometemos nada a nós,

e tão verdadeira quanto isso

é a certeza de que sempre estivemos juntos,

mesmo a grandes distâncias,

mesmo sem que soubéssemos de nossa existência,

Quando nossos olhos buscavam algo além do céu noturno

E suspirávamos de saudades por algo que não víamos

 

Senta-te, porque tu estavas nos livros que li

E entre tantos poetas e poemas,

nas cores que eles deixaram em minha alma

E na voz solitária que sussurrei no quarto escuro

E eu estava nos abraços que tu desejavas

E nos lábios que tocaram tua face

No final da estrada vazia que tu miravas

Naquelas tardes tediosas

E na janela onde te debruçavas e sonhavas acordada.

Eu estava em um canto tímido do teu caderno

E tu estavas escondida entre os meus sorrisos

E meus medos.

 

Senta-te, Helena

Agora que tudo foi e fomos

Que tudo perdemos, que possamos descansar em eternas primaveras

Como aquela em que tu estiveste ao meu lado.

 

Leonardo Ramos

 

 
  • Autor: Leonardo Ramos (Offline Offline)
  • Publicado: 6 de outubro de 2025 15:25
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 1


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