Aceitamos migalhas. Não porque sejamos fracos, mas porque é infinitamente mais suportável estar ao lado de quem amamos — ainda que sem correspondência — do que enfrentar o vazio da ausência.
Aceitamos migalhas porque, em algum ponto do caminho, esquecemos o que é o amor-próprio e nos deixamos anestesiar por essa droga chamada “amor”. Não é doença, não é loucura. É pureza. É sentir com a inocência de uma criança que ainda acredita em finais felizes. É sofrer de verdade. Porque nenhuma dor se compara à de ser rejeitado por quem mais amamos. Nenhuma ferida é mais profunda do que entregar a vida e receber de volta apenas indiferença.
E mesmo assim... permanecemos. Porque, se a dor da presença é insuportável, a da ausência seria fatal. Então poetizamos o sofrimento, romantizamos a própria queda, e até dizemos com orgulho: “É uma honra sofrer por quem amamos.”
Sabemos que estamos errados. E não é que não possamos mudar. A verdade é que não queremos. Não queremos sentir menos. Não queremos caber em espaços pequenos. Somos fogo, alma, entrega. Colocamos o outro em primeiro lugar não porque nos anulamos, mas porque antes dele éramos quase nada. E se alguém nos fez renascer, não é justo que o tratemos como algo comum. Idolatramos a presença que nos devolveu o ar.
Aceitamos migalhas porque o que sentimos é verdadeiro, intenso, quase sagrado. Somos masoquistas conscientes: morremos em prestações. E talvez seja esse o pior castigo — viver uma morte lenta e lúcida, como o fumante que traga cada cigarro sabendo que está comprando sua sentença. A cada gesto, a cada entrega, um pedaço de nós se perde.
E mesmo cientes disso, continuamos. Porque a esperança nos move. A esperança de um dia sermos amados na mesma medida. A esperança de que um dia, finalmente, façam questão de nós. Que sintam nossa falta. Que descubram que sempre estivemos lá.
No fim, tudo se resume a isso: quando o amor é unilateral, chamam de dependência. Mas se fosse recíproco, diriam que é a mais rara história de amor já vivida. Então, que fiquem com seus rótulos, diagnósticos e julgamentos. Nós ficamos com o sentir.
Aceitamos migalhas porque acreditamos na possibilidade — ainda que improvável — de um milagre.
E acreditar, apesar de tudo, é a única forma que encontramos de sobreviver.
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Autor:
Maicon Rigon (
Offline)
- Publicado: 1 de outubro de 2025 12:16
- Categoria: Reflexão
- Visualizações: 3
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