Arrumei o Presente.
No sentido espacial do substantivo. Coloquei todas as boas lembranças dentro de uma mala. Inevitavelmente, as más foram juntas como roupas sujas usadas durante diversos dias em uma praia quase deserta com pouca estrutura. Às vezes, não temos tempo de lavar as peças manchadas e fedidas, principalmente se o período é de férias. Só embola tudo dentro de um saco e joga de qualquer jeito ali dentro.
Mas não era o caso. Era o caos. Como um marinheiro que tenta aprumar as velas de um pequeno barco rumo a um cais durante a tempestade. Uma fuga desesperada. Nada estava no lugar. A bússola, confusa. Em busca de um oásis, parei em uma ilha. O mar revolto, sem culpa, apenas sendo o que é – um fenômeno da natureza – que quebrava ondas em um casco pouco confiável... revirou o Presente.
Aquele alocado no tempo-espaço.
Lutar contra a correnteza é necessário, mas cansativo. A água gelada penetrava a pele e mergulhava no sangue como espinhos de um cacto que se recusa a soltar o abraço. As lembranças, já misturadas no invólucro de couro, pesavam o dobro. Tudo vira fardo quando a sobrevivência da alma está em risco. Com teimosia, arrastei e me arrastava. A essa altura da jornada, abandonar parte de mim não seria uma opção.
Longe das águas amarguradas, observei a tempestade lentamente se dissipar. O olhar desafiador de quem provoca Deus a recuar de sua essência em forma de fúria descontrolada e sem razão. Restava, naquele pedaço de terra desconhecido, o Presente cheio de dúvidas, destonado pela resistência em não ser deixado para trás, feito um protesto silencioso de quem não queria ter sido levado desta forma. A violência, muitas vezes, não depende sequer de um olhar desaprovador. Tudo estava dito naquele silêncio quebrado, vez ou outra, pela maré que se atrevia a lamber a areia batida rente aos meus pés.
A insistência do mar em se aproximar cada vez mais era, ora um convite ao revide, ora um incentivo ao afastamento.
Vá embora!
Sem me levantar, empurrava meu próprio corpo centímetros acima, carregando comigo o Presente, constantemente engarrafado na areia fofa. A duna se assemelhava a uma íngrime ladeira e a gravidade estava contra mim. Já não era mais possível diferenciar lágrimas e água do mar, tal como as boas e más lembranças que duelavam ao meu lado, naquele pequeno e contido universo arrastado quase como uma maldição.
O exílio era involuntário.
Assim são também as batidas do coração.
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Autor:
Jorge Acioli (
Offline)
- Publicado: 17 de setembro de 2025 19:50
- Categoria: Conto
- Visualizações: 0
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