A Vida em 4 Operações

opoetatardio

A vida tem uma matemática que nos favorece.
Um jeito diferente de usar a calculadora:
não para contar cédulas ou números,
mas para medir, sem pressa nem precisão,
o café quente em manhãs frias,
o sol que atravessa a fresta da janela,
o riso que explode da boca de alguém na rua,
o tropeço na calçada que não nos derruba.
São adições, multiplicações de momentos simples e belos
que fazem do viver uma aquarela.

 

Não é que não exista subtração,
nem divisão —
como a enfermidade que chega sem avisar,
a morte que leva quem amamos,
o desemprego que bate à porta,
o acidente que não pede licença,
a rispidez na resposta de alguém,
os tantos olhares sem crença.

 

Mas são tantas outras somas positivas,
frente aos dissabores,
que até uma criança percebe
que a vida ganha de goleada.

 

Se há um instante em que a morte vence,
como um conta-gotas que chega ao fim,
quantos outros dias se oferecem para somar?
E tantos saldos para multiplicar:
passos no chão da cidade, vento nas árvores,
pássaros disputando os ipês floridos,
a fila do mercado que insiste em ensinar paciência,
a criança que cresce — nossa descendência,
a professora que leciona com eloquência.

 

São os pequenos gestos diários,
ao longo do percurso,
que definem se vivemos mais
ou morremos mais durante a jornada.

 

E eu escolho ficar com o que tem mais vida,
ainda que seja em doses mínimas,
todos os dias.
No gesto de ajudar alguém sem perceber,
no nascer tímido de uma fonte límpida
na rachadura do concreto,
na descoberta de dois corações pulsando,
e se abrigando num mesmo corpo,
na chuva fina que alivia o clima seco,
no cheiro da comida subindo da cozinha,
no doce entregue escondido pela vó aos netos —
quase um ato delinquente,
no som dos sapatos batendo no asfalto,
na conversa que se perde
e se reencontra na próxima esquina,
na poesia solta nos posts,
no refrão de uma MPB esquecida no disco de vinil,
na vontade de vencer desse povo do meu Brasil.

 

Cada dia vivido é moeda guardada no bolso da alma.
Cada riso, cada olhar, cada respiração
é soma que cresce, lucro que ninguém toma,
um infinito resumido em soma.

 

E quando o ciclo se fechar,
que a gente possa olhar com carinho
no derradeiro segundo existente
e enxergar uma vida que valeu a pena:
porque vivemos mais do que morremos,
carregamos um mundo inteiro de pequenas alegrias,
e valeu a decisão de viver vivendo.
E que a vida, no fundo,
foi
menos dívida
e mais dividendo.

@opoetatardio — Pedro Trajano

opoetatardio.blogspot.com

  • Autor: Trajano (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 11 de setembro de 2025 17:01
  • Comentário do autor sobre o poema: Somando instantes, multiplicando sentidos — porque viver é mais sobre sentir do que contar.
  • Categoria: Reflexão
  • Visualizações: 3


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