Frequentemente me flagro em silêncio, observando os detalhes mais inúteis — e por isso mesmo, indispensáveis — da vida e do mundo. Se me pedissem uma palavra que me definisse por inteiro, eu não hesitaria: observador. Em todos os sentidos. Um ser voltado para dentro, com as janelas do lado de fora sempre entreabertas, apenas o suficiente para que entre ar e não tumulto.
Sou introvertido. Calado. Silencioso. Não por timidez — essa já passou, se é que algum dia existiu — mas por pura preguiça mesmo. Preguiça de gastar palavras com quem não oferece sequer um pensamento que dure mais do que quinze segundos na minha cabeça. A maior parte das pessoas me parece uma longa pausa entre um vazio e outro. E eu não tenho mais saco pra isso.
Enfim. Voltando às observações: os últimos dias foram chuvosos por aqui. E numa dessas noites, estacionado dentro do carro, com o motor desligado e a cidade finalmente muda, fiquei ouvindo os pingos no teto e no para-brisa. Pensei: está tudo dentro da normalidade. E é lindo quando percebemos que o mundo não precisa de nós pra girar. Ele segue. Gira. Chove. Faz sol. Sem pedir licença. Sem se importar.
Essa mesma chuva — esse som de água se jogando no chão como quem se despede de algo — já caiu sobre milhões de cabeças ao longo da história. Desde quando o primeiro ser humano olhou pro céu e se assustou com um trovão, até hoje, quando olhamos para cima apenas para ver se estragou o tererê no Tape Porã. A humanidade é isso: a mesma cara de espanto com roupagens diferentes.
Olho para o céu e penso: as estrelas que vejo são as mesmas que viram Cristo andar por aqui, há dois mil anos. São as mesmas testemunhas dos primeiros símios que aprenderam a temer o fogo e a amar a fogueira. O céu — esse teto infinito — já encarou bilhões de olhos humanos. E nunca piscou de volta.
Sim, eu tenho essa mania boba de ver poesia em tudo. Olho para as pessoas e me pergunto: o que já testemunharam esses olhos? Quantas lágrimas carregam esses sorrisos? O que já suportaram esses ombros que hoje fingem leveza?
E o mundo… ah, o mundo. Se tivesse pensamento próprio, o que diria sobre nós? Sobre essa nossa mania de nos acharmos protagonistas num palco onde, claramente, somos figurantes? Qual é o propósito de tudo isso, se poderíamos, muito bem, não estar aqui? A presença humana nesse globo molhado não melhorou muita coisa, sejamos francos. Somos um ruído incômodo na orquestra da existência.
Pra encerrar esse devaneio — que, dependendo do ponto de vista, pode parecer um porre — deixo aqui uma constatação: esses pensamentos só me visitam quando estou sóbrio. Quando tomo meus latões de Budweiser, não reflito sobre a insignificância humana. Talvez porque, no fundo, eu saiba que o maior entorpecente já inventado não vem em lata. Chama-se lucidez.
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Autor:
Maicon Rigon (
Offline)
- Publicado: 7 de setembro de 2025 05:55
- Categoria: Não classificado
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