Melancolia

Maicon Rigon

Aproveitei essa manhã chuvosa para pesquisar sobre melancolia. Ingenuamente, confesso. Me deparei com definições que mais pareciam prontas pra ficha clínica: “estado de grande tristeza e desencanto geral; depressão”, ou ainda “estado mórbido caracterizado pelo abatimento mental e físico, manifestação de vários problemas psiquiátricos”. Segundo os especialistas, sou praticamente um caso de internação com laudo carimbado. E, no entanto, continuo aqui — sem camisa de força, mas com um tédio secular no olhar.

Sempre me considerei melancólico, sim. Não dessa forma dramática de manual de psicologia, mas num sentido mais… existencial. Eterno. Quase poético, se não fosse tão incômodo.

Desde criança me senti um adulto disfarçado de gente pequena. Enquanto a gurizada se esfolava em campos de futebol ou faziam calos na bunda andando de bicicleta, eu observava. Quieto. Alheio. Achava tudo ridículo — e, pior, barulhento. Odiava o alvoroço, as risadas sem motivo, as gracinhas repetidas. Sempre fui do tipo que acha mais digno um silêncio bem colocado do que três horas de conversa fiada temperada com ignorância.

Eu era um ser exótico na sala de aula: monossilábico, introspectivo, mas que se transformava quando o assunto realmente valia a pena. Nessas raras ocasiões, minha alma esticava as pernas e se espreguiçava. Mas era só. Rapidamente voltava ao meu modo de economia de energia social.

Fui criado com a televisão como babá emocional — mas, por favor, sem desenhos animados. Nunca tive paciência para mundos coloridos e vozes esganiçadas. Preferia a dramaturgia adulta, o caos ensaiado dos programas de auditório, Silvio Santos, Ratinho, Gugu e outras decadências televisivas da época. Enfim, uma infância moldada por um Brasil que não sabia se ria ou chorava de si mesmo.

Quanto à melancolia: vocês nunca vão me ver cantarolando, assoviando, ou explodindo em êxtase como um comercial de refrigerante. Sei que, por vezes, posso ser interpretado como alguém mal-educado, arrogante ou egocêntrico — mas nem sempre é essa a intenção. A alegria existe, sim, mas mora num canto escuro do peito — ali onde ninguém enxerga, e é melhor assim. O meu mundo interno é tão vasto que qualquer tentativa de colocá-lo pra fora me parece constrangedora. Conversas pequenas? Peço desculpas, mas não tenho estrutura psicológica. Aqueles diálogos de elevador, com perguntas que ninguém quer mesmo responder, são um tipo de tortura autorizada. E o pior: obrigatória.

Por muito tempo achei que era arrogância minha. Me achava um lixo por não conseguir fingir empatia social. Achava que era eu o problema, um poço de arrogância, olhando os outros de cima. Mas com o tempo, entendi: o problema não é me achar melhor. É só que não me interesso por nada que não seja real.

Prefiro dez minutos em silêncio — organizando o caos interno, trocando olhares com meus próprios pensamentos — a duas horas ouvindo alguém tentar parecer interessante. A maioria das conversas é só uma batalha de egos mal disfarçados. Um ringue de gente vazia disputando quem tem o vazio mais decorado.

Gosto de um texto do Bukowski, aquele velho sujo e sincero, que dizia: “Vão bater na sua porta, sentar numa cadeira e consumir seu tempo sem lhe acrescentar em nada. Quando muitas pessoas nulas aparecem e seguem aparecendo você tem que ser cruel com elas, pois elas estão sendo cruéis com você.” Assino embaixo. E coloco moldura.

Sinto falta de pessoas de verdade — mas não do tipo que recita Nietzsche em mesa de bar ou que enfeita conversa com palavras que soam bem no dicionário. Falo de gente que sabe o peso de um olhar. Que entende que o silêncio às vezes é a coisa mais barulhenta do mundo. E que atitude vale mais que qualquer parágrafo bem escrito.

Por isso, me poupem de jantares onde egos se empanturram de si mesmos. Se me verem lá, saibam: é por obrigação. E estou odiando cada segundo, desejando a queda de energia, o fim do mundo, ou pelo menos que a sobremesa venha logo pra eu poder fugir.

Tenho dito, e repetido: cansei das pessoas. Não das pessoas em si, mas desse grande teatro ambulante em que todos estão atuando num roteiro ruim, fingindo gostar uns dos outros, trocando sorrisos que só servem pra mostrar os dentes. E o pior: temos que aplaudir no final.

A sociedade exige que convivamos. Que sejamos cordiais, sorridentes, produtivos. Que paguemos IPTU, IPVA, IR, e ainda agradeçamos a oportunidade de sermos sugados lentamente. Então sim, eu visto minha máscara todo dia — cada vez com mais nojo, é verdade, mas visto. O baile de máscaras é obrigatório. E, infelizmente, ninguém nos deixa sair antes da última música tocar.

  • Autor: Maicon Rigon (Offline Offline)
  • Publicado: 5 de setembro de 2025 12:14
  • Categoria: Não classificado
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