Deveria existir um CID exclusivo pra essa doença — se é que ainda não inventaram um. Algo entre nostalgia patológica e reencarnação mal resolvida. Sou, com orgulho e uma pontinha de desespero, um amante do passado. Talvez uma alma reencarnada pela milésima vez, fazendo turismo temporal por aqui, tentando entender que diabos é esse século XXI com seus emojis, stories e gente que acha que “vintage” é comprar camiseta desbotada por 300 reais.
Sou amante do passado em todos os sentidos. Música, roupas, vocabulário, objetos, hábitos, relações sociais, dramas existenciais que duravam mais que a bateria do celular. Entro num prédio antigo e minha vontade é de beijar o chão, abraçar a parede e sussurrar: “me conta tudo, seu lindo, me mostra o que esses olhos de concreto já viram.” Imagina as confissões que essas estruturas poderiam fazer, se tivessem boca ou, sei lá, uma conta no Instagram.
Quando vejo uma pessoa idosa, minha cabeça dispara um filme na velocidade da luz: penso nela ouvindo o Repórter Esso, assistindo ao homem pisar na Lua pela TV preto e branco, dançando com roupas esquisitas e fumando sem culpa em salões cheios de fumaça e jazz. Sinto inveja, sim, daquela presença de mundo que não tive — como se tivessem jogado spoilers da vida pra todo mundo, menos pra mim.
Me ressinto de não ter estado ali, suado em um show da Elis ou do Raul, ou simplesmente existido em um tempo onde Michael Jackson ainda era só um ser humano, não um holograma de saudade. Hoje a gente assiste tributos em 4K, mas o impacto é em 144p emocional.
No fundo, essa minha ladainha romântica é só um desabafo: eu realmente queria ter nascido antes. Ser mais velho. Mais vivido. Mais amarelado pelo tempo. Claro, não dá pra garantir que, se tivesse vindo ao mundo em 1930, eu teria o mesmo olhar apaixonado. Vai ver eu seria mais um homem amassado pela rotina, odiando a guerra, a censura e a falta de desodorante eficaz. Talvez eu nem notasse a beleza ao redor — assim como a maioria não nota hoje.
Vai ver é só uma crise dos 30 — versão existencial retrô. Talvez quando eu chegar aos 90, tudo que eu mais queira seja voltar pra época atual e dizer “nossa, 2025 era incrível e eu tava ocupado demais reclamando que nasci tarde.”
Mas, enquanto isso, sigo aqui, meio anacrônico, meio melancólico, tropeçando nesses pensamentos como quem caminha por uma rua de paralelepípedos: um pouco desconfortável, mas encantado por cada pedra que carrega o peso de passos que não dei — e mesmo assim insisto em sentir.
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Autor:
Maicon Rigon (
Offline)
- Publicado: 2 de setembro de 2025 12:18
- Comentário do autor sobre o poema: Artigo publicado em meu blog pessoal: https://maiconrigon.home.blog/
- Categoria: Não classificado
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