YES
Ao deitar para dormir, ela coloca o travesseiro sobre a cabeça e aperta.
Não quer sufocar-se de verdade — só sentir o ar se esvaindo e, então, libertá-lo. Para dar valor a ele.
O cheiro do creme pós-banho que passou é forte; dá uma leve dor de cabeça, mas tudo bem.
O corpo está cheiroso. Macio. Vale a pena.
Ela tem que acordar cedo.
Toma 2 mg de clonazepam para pegar no sono.
Mas, por algum motivo, o sono se transforma numa vontade absurda de viver,
e o efeito do remédio é o contrário.
Ela quer dançar.
Quer mandar mensagem para a primeira pessoa da lista de contatos.
Quer colocar uma música alta, aprender a tocar no violão parado há anos como um enfeite no canto do quarto.
Ela se sente viva.
Pensa que gostaria de tomar o remédio durante o dia, pois ele a deixa ativa. Feliz. Uma felicidade embriagada de rivotril.
Mas, de repente, o sono vem.
Ela dorme como um anjo. Num sono induzido sem sonhos.
Acorda bem. Ainda meio alegre.
Mas tudo passa no primeiro contato com outro ser humano. Eles sempre estragam seu dia.
Mas a solidão é pior que o incômodo da conversa.
Ela sabe que estar sozinha e se sentir sozinha são coisas diferentes.
Se sentir sozinha dói. Sempre.
E é frequente em sua vida.
Ela pensa que ninguém a entende.
Talvez porque ela mesma não se entende.
Às vezes, queria transparecer mais de si para o mundo. Chamar atenção. Ser interessante.
Mas é difícil. Porque ela não é interessada.
Não é empática.
Apesar de ser sempre prestativa e tentar ajudar os outros, não sente a dor alheia.
Ela mal sente a própria dor.
Gosta de evitá-la.
Não consegue receber carinho.
Sempre pensa que é exagero.
Qualquer sentimento é extravagância.
É querer que os outros saibam.
Mas tem outro nome pra isso que sente:
inveja.
Ela tem inveja de quem é.
Simplesmente por não conseguir ser.
Sente inveja dos que, em multidões, são rodeados por vários.
Enquanto ela está no canto, observando,
com um falso desinteresse que se faz convencer ser real.
Até que ele se torne.
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Autor:
prosabruta (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 20 de agosto de 2025 16:22
- Categoria: Reflexão
- Visualizações: 4
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