Luiza

Um

Do outro lado da rua, naquela casa de paredes pintadas cor de vinho tinto, mora uma senhora e ela toca uma viola.

…

Era assim que eu ia começar contando essa história. A história de dona Luisa. Pensava sempre em observá-la, de longe, investigar que horas acorda, o que faz das horas vagas do dia, o que come, o que diz, o que pensa. Eu sei, essa minha mania já avança em tiros de estilingue, alguém aqui parece já está para lá dos limites da razão. A culpa é do maldito tédio, e também da forma como eu aprendi a responder aos eventos. Minha mãe, minha avó, minha tia, a vizinha da frente, do lado, do outro. Do traseiro não cheguei a analisar, mas muito provável, com toda certeza, todas espiavam a vida de quem vem e quem vai na Rua das Oliveiras, rua onde eu era criança.

Mas meu caso começava a enlouquecer-me o juízo, nas tardes de sábado eu revirava minhas anotações, semana a semana. Sim, eu registrava o tempo e o vento e o resultado disso, aqui vos trago.

Dois

Na verdade Luiza sou eu, dona Luiza, como dizem por ai, dona… de que? Enfim, dona de mim mesma, 62 anos, separada, abandonada seria um termo melhor, mas não estou a deriva. Não há lágrimas, os rios secaram, o clima perdeu o caminho e meu ciclo geo-morfo-psico-trópico é glacial.

Por causa da impaciência que me causa o tédio, olhava de hora em hora a rua, pela janela, e depois de uns dias, reparei que do outro lado, quando minha cabeça pontuava, batia com a testa na mesma cena. Alguém no terceiro andar daquele prédio olhava perdido e além, para nada. Sabe esse tipo de gente de olhar difuso, olha para tudo e para nenhum lugar.

Isso me intrigou, comecei a perguntar-me o que ele tanto olha. O céu é o mesmo, as pessoas as mesmas, é tudo igual. Ou ele deve andar a viver encantamento. Ou mimetiza. Ou camufla. Ai explodiu um pequeno balão, uma bolha de água na panela onde fervem minhas ideias. Ele anda me espiando. E juntando as minhas manias, uma a uma, para… Para escrever um livro, quem sabe, por que não?