Dualidade

Thomas Vasconcellos Ivanov

O que me faz existir?

E o que me faria acreditar na plenitude de outro ser?

Tudo na vida parece um cárcere de gestos e silêncios,

onde cada traição é uma faca enferrujada —

não pelo corte, mas pelo tempo que corrói a ferida.

 

O traidor não sabe.

Não sabe o que tira, nem o que deixa.

Soberbo no ato, caminha como quem nada fez.

E quem é traído descobre, tarde demais,

que o caminho de volta é um mito

inventado por quem nunca sangrou.

 

A raiva grita mais alto que o raciocínio,

e o homem fecha-se em si

até esquecer o próprio rosto.

Viver é confuso, redundante, irreparável.

Só a própria voz pode dizer quem somos,

e ela fala em língua estranha.

 

Os outros nos dão apenas momentos:

alguns bons, outros ruins.

Mas se o homem é imagem do Senhor,

e o homem é feito de luz e sombra,

então o próprio Senhor é dual,

como se carregasse nos olhos

o peso do bem e o segredo do mal.

 

Essas perguntas não têm hora marcada.

A vida responde quando quer —

ou nunca.

E cada resposta é só um reflexo

do que escolhemos crer.

 

A roda gira. Sempre.

Entre a ignorância e o egoísmo,

o homem escolhe o que amar,

o que sentir,

e como gastar

os poucos instantes que lhe cabem

neste jogo ardiloso

a que chamamos existir.






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