Sinto o ar pesado antes mesmo de virar a esquina.
Um cheiro úmido, de terra molhada misturada com algo podre que não se define.
O concreto sob meus pés parece sugado pela umidade, grudando como lama.
O vento assobia baixo, um som fino que percorre a pele e se enrosca nos ossos.
Os postes estão fracos, a luz amarelada tremeluz como se fosse um último suspiro.
O zumbido vem de algum lugar entre o degrau 7 e o 10, um som quase imperceptível, mas que se aloja dentro da cabeça, grudando na mente como uma nota dissonante que não se vai.
Minhas mãos estão úmidas, a palma suando frio, mesmo que o corpo esteja quente e acelerado.
Desço o escadão rápido, quase correndo, cada passo ecoando contra as paredes estreitas.
A respiração pesa, o ar parece faltar, o coração martela.
O chão escorrega, a textura do concreto irregular me obriga a olhar para baixo.
Quando chego no degrau 9, o tempo para.
Um peso invisível me prende ali, congelando o corpo e o pensamento.
No canto do olho, vejo algo se mexer.
Ela está sentada no concreto frio, quase translúcida, como uma mancha feita de sombras e sujeira.
Seus cabelos grudados na pele, molhados, como teias de aranha que balançam com o vento sem que ela se mova.
Os olhos? Brancos, fundos, vazios como um poço sem fim.
A boca está selada, costurada com uma linha grossa e negra que atravessa a pele, como um segredo enterrado.
Sinto o gosto metálico do medo na boca, o ar parece virar ferro líquido na garganta.
O zumbido explode dentro da minha cabeça, abafando tudo — é como se estivesse dentro do meu crânio, martelando sem pausa.
Minhas pernas tremem, os dedos se encolhem, a pele arrepia.
Quero fugir, mas estou colado ao concreto, preso por forças invisíveis.
Ela vira o rosto devagar, tão devagar que parece uma tortura.
Meu pulmão queima, o suor escorre gelado pela nuca e pelas costas.
O silêncio é mais alto que qualquer som.
O tempo se desfaz e a vontade de correr grita dentro de mim.
Mas eu não me movo.
Quando tudo parecia perdido, a sombra dela se estica, e um sussurro atravessa o silêncio:
“Você nunca vai descer.”
O escadão, o zumbido, a menina… tudo se fecha em volta de mim.
Não sei se é o fim, ou apenas o começo.
E mesmo agora, enquanto escrevo isso, sinto o peso daquele degrau no peito — como um convite que eu não posso recusar.
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Autor:
Luiz Beatriz (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 6 de agosto de 2025 15:47
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 6
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