Manual que nunca me deram

Thami

Mais uma vez, acendo meu cigarro,

meu mais novo vício —

aquele que jurei nunca tocar.

Antes de qualquer coisa,

só queria ver um filme tranquilo.

 

Escolhi um chamado Enora,

estava na vitrine da Prime

como quem acena dizendo:

“vem, me assiste, me entende”.

 

Era sobre uma garota que dançava por dinheiro,

vendia o corpo e, talvez sem saber, também vendia partes da alma.

Conheceu um rapaz bonito,

rico de berço e vazio de verdade.

Ele prometia mundos,

mas era só mais um que suga e depois larga.

E ela, por um segundo, acreditou

que a vida poderia ser fácil,

que existia saída pelo atalho do amor alheio.

Mas não era bem assim.

 

No final, não foi o amante que ficou —

foi o segurança,

aquele que viu tudo em silêncio,

o que não prometeu nada, mas ficou.

 

E ela chora.

E eu choro junto.

Porque é sobre mim também.

Sobre nós.

Sobre esse sistema que explora,

que nos usa até o fim da corda

e depois diz que a culpa é nossa.

 

Filmes assim me fazem pensar na vida,

no que estou fazendo da minha,

e se o amor que tenho por estudar é suficiente

quando o resto parece me faltar.

 

Amanhã acordo cedo, sem rede de apoio,

com amigos que me salvam sem saber.

Me sinto grata, mas também cansada.

O psicológico me fere mais do que mostro.

Sinto que perdi tudo.

Mas… será que eu tinha?

 

Entre lutos e amores falhos,

quem jurou me amar, partiu.

Talvez eu tenha medo de amar —

fujo do amor antes que ele fuja de mim.

 

Volto para o cigarro,

para o álcool,

herança que jurava nunca herdar,

aquilo que fodeu a cabeça da minha mãe.

 

A mente pesa, o coração dói,

mas quando toca o interfone

finjo leveza,

fingindo saber o que faço da vida

enquanto retiro a ração dos meus cachorros.

 

Eu tenho uma casa,

e isso deveria bastar.

Mas nem sempre basta.

Não consigo me levantar feliz,

fazer um café sorrindo,

tomar um banho como quem celebra o corpo.

Nem sei se meu sono é de verdade.

 

Alguém poderia me dizer o que fazer?

Na infância, ninguém disse.

Sobrevivi como pude,

com gritos, silêncios e medo.

 

Hoje tenho casa,

mas o abuso ainda vive em mim,

me culpando por existir,

me travando em cada passo.

  • Autor: Thami (Offline Offline)
  • Publicado: 25 de julho de 2025 19:07
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 3


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