Talvez melhor por aqui porque aprendi, naquele dia do divã ou nas estradas da Namíbia, que me provar corajosa já não importa mais.
Talvez melhor por aqui, onde as palavras não engasgarão.
Lembro-me, anos atrás, quando viajava pela Croácia, e um dos pontos altos da viagem era conhecer uma pequena vila medieval na ilha de Krk.
No caminho para lá, o GPS avisa que a ponte que liga a ilha está fechada. A única opção é um trajeto longo, com embarque em dois ferrys.
Queria muito conhecer aquele lugar, sonhei com ele. E então decidi ir.
Na hora da compra, falo para a senhora em inglês: “One ticket to Krk (kirk), please.”
E então ela me corrige com som gutural:
(köhök).
Nunca mais esqueci.
Levo a tarde toda entre o primeiro ferry, o desembarque em uma ilha intermediária, corrida frenética em estrada de barro, cabras selvagens, mar, paisagens que beiram o onírico.
Um novo ferry… e então, a ilha de Krk.
Chego exatamente ao final do anoitecer.
Noite e chuva, mas cumpro a minha missão: caminhar pelas ruelas medievais daquela vila.
Nela está uma das ruas mais estreitas do mundo, só uma pessoa pode passar por vez.
Apesar da iluminação tênue dos velhos postes, consegui captar toda a atmosfera daquele lugar.
E tive um pequeno vislumbre do quão incrível ela seria à luz do dia, envolta e banhada pelo mar Adriático.
O gutural daquilo que não falamos.
O caminho que só uma pessoa pode ocupar por vez.
O desejo como atuante sobre o destino, e nem sempre resultando no derradeiro que idealizamos.
Te vislumbrei deste lugar.
Te visitei no escuro e, ainda assim, pelas pedras que alicerçam estas antigas estruturas, senti sua alma ancestral.
Há lugares de uma viagem onde nunca mais retornamos.
Te visitei como menina.
Hoje, quem decide se retirar é a mulher.
Te olho reto, horizontalmente...
Na ausência de resposta, entra a criança, se encolhendo para caber.
Mas a adulta já não cabe neste lugar.
E não havendo, não há mais para onde voltar.
Na dualidade destes dois que aconteciam ao mesmo tempo, ficou a adulta.
Fênix flamejante, pequena e grande, vulnerável e absoluta.
Eu vejo o seu sol, e também sou sol.
Porque também foi encontro.
Não quero caber em você, porque já caibo em mim.
Mas sim, eu te vejo.
O dia de teus detalhes...
Na viela só passa uma pessoa.
E, pela primeira vez, na pronúncia do gutural, eu assumo: chegou a hora de partir.
Gratidão,.
Gratidão, Hécate.
Gratidão,.
Seus olhos queimam, sim, eu posso ver.
Suas asas se alongam gigantes, penas flamejantes e transcendentes.
Transpassa você. Acorda em mim.
Mas repito, sim, eu já entendi.
Mas sim, eu também te vejo.
“Experience” – Ludovico Einaudi
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Autor:
F.C. (
Offline)
- Publicado: 25 de julho de 2025 09:39
- Categoria: Carta
- Visualizações: 3
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