O Santuário do Meu Sacrilégio

Tiago Albano

Era interessante e incansável observar ela. Não era triste, mas também feliz é que não seria. Possui um apelido que nada tem a ver com seu nome, mas é carinhoso. Moça magra, com dedos longos, mulher branquíssima, boca suave e pequena, mas olhos negros como o breu. Sua alma é misteriosa como teu signo, que também é igual ao meu. Pintora, artista. Ela adora Van Gogh, mas tem fascínio por Monet. Odeia os moralistas, assim como eu — afinal, eles odeiam os pecados e ela... bom, ela é uma excelente pecadora. Sempre gostei dos pecadores. Há neles uma coragem que a grande maioria jamais terá. 
Sozinha, conseguiu ver que em mim habita, em segredo, a poesia — uma poesia excessiva. E os poetas, eles são fracos, pois choram e se apaixonam, mas são entregues. Arriscam tudo pela paixão, tudo para se sentirem vivos.
Ainda tenho as visões dela dançando na sala, somente com sua saia longa e florida, pés descalços, peito nu que tinha um cheiro bom de canela, colar boêmio de madeira. Tinha um girassol na orelha esquerda. Com uma mão segurava a garrafa, e na outra a taça sempre pela metade, com seu Merlot, que tinha textura sedosa e macia como sua pele e que realçava ainda mais suas unhas em carmim. Contigo, tive doces vertigens e fugacidade em cada instante.
Éramos iguais em muitas coisas. Com ela, lia Clarice e a sorte, ouvíamos Belchior, discutíamos Neruda, bebíamos vinhos, vodcas e adorávamos a calma da escuridão. Entendíamos que jamais teríamos medo da mudança, pois quem tem medo da mudança, sofre. Mesmo assim, sofremos! O escândalo dela era absoluto, tinha a risada altíssima, o ciúme era voraz. Sua delicadeza a devorava aos poucos. A personalidade, utópica. Gestos finos, olhar firme e cortante como lâmina, trazia no corpo uma liberdade ainda maior que a de Joana.
Sabíamos que todo o desejo, toda risada e todo êxtase que tivemos se tornaria uma lembrança — e tornou-se. Éramos iguais. E os opostos até se atraem, mas os iguais se completam. O problema é que somos muito iguais. Dois universos colapsando em si. Era intensidade com carne, osso e vício. Somos muito em tudo. Engraçados! Briguentos! Safados! Sedentos! Geniais! Incomparáveis...quase lendários.
Encerro este texto dizendo que ela teria feito qualquer outro poeta surtar, encher a cara e escrever mil textos. Mas eu não surtei, não enchi a cara, e só escrevi este texto. Pois nada irá suprir a marca que deixei nela, e o que a sua alma guarda.
Mais que intensos, éramos o caos bonito de quem sente tudo ao mesmo tempo. Se era errado, eu errei. Se foi pecado, eu pequei. Se era proibido, eu permiti. Fique em paz, mesmo depois do fim... Eu transgrido. Assumo toda a culpa. Por você, eu ainda queimo na fogueira. Faço o sacrilégio! Te devo perdão, por ter te devorado inteira. Mas não me arrependo, e não o peço. 

  • Autor: T_Albano (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 28 de junho de 2025 16:17
  • Categoria: Carta
  • Visualizações: 1


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