Houve um amor que não teve tempo de ser, mas foi.
Foi como uma música que começa já no refrão, sem introdução, sem aviso, e quando nos damos conta, o silêncio volta antes do fim.
Foi um incêndio de alma em dia nublado, um sopro de eternidade em pleno instante.
Vivemos tudo em tão pouco que até hoje me pergunto se sonhei.
Mas as lembranças doem como só dói o que se tocou de verdade.
Havia em ti algo de abismo e de abrigo, e em mim, essa velha sede de cair e me salvar ao mesmo tempo.
Foste um lugar que nunca existiu fora de mim, mas no qual morei com todas as janelas abertas, como quem deseja o impossível.
Tuas palavras ainda ecoam dentro da casa que o meu peito virou.
Guardei teus gestos como se fossem retratos de um passado que o presente não permitiu continuar.
Tínhamos pressa — mas não soubemos correr.
Tínhamos desejo — mas não soubemos traduzir.
Tínhamos tudo, menos o tempo.
Esse tempo que sempre falta quando a vida parece finalmente certa.
Por fora, sigo vivendo.
Por dentro, continuo naquele instante em que teus olhos me disseram tudo, sem nenhuma palavra.
Foi ali que entendi que certas conexões não precisam de lógica, nem de explicação.
Acontecem, como chuva em dia azul;
como febre sem motivo;
como amor à primeira ausência.
Não sei por que nos desencontramos. Ou talvez saiba.
Talvez o mundo não estivesse pronto para nós, ou nós não estávamos prontos para o mundo.
Talvez essa vida não comporte o que sentimos.
E então só nos restou viver um no outro, em silêncio.
Carrego-te como se carrega uma carta nunca enviada:
dobrada com cuidado, manchada de suor e poesia,
guardada no fundo do peito, para ser lida às escondidas nas noites em que a solidão fala teu nome.
Não vou te esquecer.
Não por promessa, mas porque certos sentimentos não aceitam sepultamento.
Vão ficando ali, quietos, como flores que murcham sem perder o perfume.
O que fomos ainda respira em mim.
Não como presença, mas como vestígio.
Foste um amor tão forte que não coube na realidade.
Foste uma verdade tão inteira que só pôde ser dita pela metade.
E eu…
eu fui teu por completo, mesmo sem poder ser de verdade.
Agora, és meu segredo mais bonito.
A lembrança que me salva da aridez dos dias.
A ausência mais presente do meu caminho.
Serás, para sempre, o amor que não vivi inteiro — e que por isso viverá em mim para sempre.
Há algo de cruel e de belo nessa eternidade que nasce do inacabado.
Porque o que se conclui morre.
Mas o que é interrompido antes da hora continua sangrando — e é esse sangue que me mantém vivo, mesmo ferido.
Eu sigo tentando existir onde tu já não estás.
Mas é difícil.
É como morar numa casa depois que ela pegou fogo: as paredes ainda estão de pé, mas o cheiro do que se perdeu arde nas narinas.
Às vezes me pego sorrindo sozinho com lembranças que ninguém entenderia.
Seu gosto inusitado por tomar cerveja logo após escovar os dentes.
O jeito controverso como perguntava sempre se eu ainda te amava.
O jeito como teu silêncio me dizia tudo, e como o meu caos parecia encontrar lugar em teus olhos.
Nunca precisei de muito tempo contigo.
Bastaram aqueles poucos dias — ou seriam horas? — em que minha alma te reconheceu como quem reencontra uma parte que perdeu antes de nascer.
Tu foste lar.
Mas não desses com endereço.
Foste o tipo de lar que a gente sente dentro, como uma brisa que entra pelas frestas do que já estava fechado há muito tempo.
E depois, o silêncio.
A ausência que não explica;
a distância que não se justifica;
o desencontro que se repete em mim como um eco.
Por vezes, pensei em voltar, em procurar, em forçar a realidade a aceitar aquilo que o coração não deixou partir.
Mas também há amor no silêncio.
Há respeito na renúncia.
E há uma forma estranha de carinho em deixar o outro ir,
mesmo que ele ainda esteja morando dentro.
Não te culpo.
Não me culpo.
Fomos dois astros que se cruzaram numa órbita improvável, e por isso mesmo deixamos rastro.
Um cometa, talvez — desses que brilham uma única vez e jamais se repetem.
O amor que guardei por ti não é uma âncora, é uma constelação.
Algo que me guia, que me lembra que posso sentir,
mesmo que nunca mais toque.
E se um dia me perguntarem por que ainda dói, direi apenas: porque foi verdadeiro.
Porque por um breve instante, o mundo inteiro fez sentido em um abraço.
E eu soube — sem saber como, nem por quê — que tudo que busquei em todos os cantos da vida estava ali, nos teus olhos, me olhando de volta.
Mas nem todo sentido cabe no mundo.
Nem todo amor cabe no tempo.
E então te deixei ir.
E fiquei.
Fiquei com a memória.
Com o calor dos dias que tivemos.
Com a ausência que tem teu nome.
Fiquei comigo mesmo — e contigo, ao mesmo tempo.
Porque há amores que a gente não supera.
Só aprende a carregar.
Como um bolso onde guardamos uma carta escrita a lápis,
desbotando com os anos, mas ainda legível para quem sabe o que sentiu.
Tu foste o meu quase.
E, por isso mesmo, o meu para sempre.
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Autor:
R. (
Offline)
- Publicado: 22 de junho de 2025 20:46
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 4
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