Invernagem
Por Sandro MS Lino
A folha solta nos redemoinhos,
A alga que navega sem vela, motor ou remo,
Com objetivo e rota, certa de nunca chegar.
Dos meus entes saí, de mãos que me protegiam,
mãos que também me privavam.
Perdi-me tentando achar o Alter,
que em mim faz morada.
Meu pequeno barco à solidão me pôs,
o medo encobria meu destino —
o encontro com o silêncio.
Com o alvo e negro gelo sublime,
onde o externo, a natura e o animal falam… e eu ouço,
desumanizando a agonia que sentia.
As águas bateram forte —
mergulhada em choro, veio você:
farol na noite, guiando-me com mãos firmes.
Me deixou segura, me aqueceu, me possuiu.
Mas o toque... o tato me diz que nunca tive você.
Esteve a milímetros: sentia sua pele, seu hálito, seus olhos em mim.
Contudo, nunca senti sua mão na minha.
Nunca bebeu do mesmo veneno.
Nem entrou na balsa para, do outro lado,
se banhar na insalubre, doce e utópica promessa de me encontrar.
Você não tem culpa.
Eu estava entre ondas, na boca de Ceto —
qualquer mão inerte e fria serviria de apoio.
Algo como você: monstro da volúpia,
mestre do controle,
hábil, deduz meu momento
e me leva à tempestade, ao frio, ao abismo.
Sarcástico, se orgulha.
Ergue seu tronco — belo, imponente —
e me observa, desequilibrada, atravessar a rua tentando ir à praça.
Ri, acreditando — como um pai imaturo —
que jamais saberei ir ao divertido e ao deleite sem você.
Construo a dias, éras,
esse buraco no espaço-tempo:
um poço onde vou te jogar —
raso o bastante para que seus gritos se resumam em sussurros,
profundo o suficiente para ouvir meu sorriso.
Depois do verão, depois do poço,
nos vendavais de outono, juntei alguns pedaços — outros se perderam.
Me lancei ao mar, rumo ao Polo, em minha invernagem.
Frio cortante, abaixo de zero do suportável.
Senti a chegada do inverno: sem luz,
exilada do outro e de mim,
apenas o ruído do nada —
puro e complexo nada —
que absorveu minha relação superficial com o córtex.
Dor, medo, ansiedade, amor: tudo ressignificado.
Encontrei a de-evolução do meu pós-moderno.
A cada amanhecer, a cada congelar,
tudo era mais meu.
O raro sol refletido no iceberg
me mantinha com esperança do degelo.
Quase um ano.
Renascida, enfim, voltei à terra.
Ondas, barcos — bárbaros, fortes,
outros gentis — queriam o timão.
Alguns afagos, com intenção de tutelar-me, tentaram.
Minha sinapse corre ao contrário:
elimina o que invade,
valida o que incorpora,
percebe o que constrói aqueles pedaços perdidos
e refloresta o que se devastou.
A folha. A alga. Agora estão no cais.
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Autor:
SM Lino (
Offline)
- Publicado: 11 de junho de 2025 10:46
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 1
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