Desabafo de um Millenial

verenavini

 
Estou farto disso tudo.
Me sinto constipado, enjoado e triste.
Como professor, tento sempre em minhas aulas trazer energia e alegria aos meus alunos, pergunto sobre seus dias, o que fizeram de novo. E por mais que a resposta deles às vezes seja “ah, professor, fiz o de sempre”, consigo com algum esforço e motivação fazê-los lembrar de algum detalhe ou algo diferente no meio da mesmice. Dali a conversa começa e acabamos por entrar em outros assuntos que distraem e motivam o aluno a falar.
Às vezes, mesmo cansados, eles fazem a aula, pois de alguma forma tento fazer a aula ser interessante, trazendo um material ou mídia diferentes, um tópico que não abordamos ou cena de filme. Noutros momentos, tento ser brincalhão, apesar de não ser meu forte, só para ver o aluno sorrir e se animar um pouco mais para aprender, pois que sem motivação não há aprendizado real.
Mas no final do dia, exausto, não tenho quem possa me colocar pra cima e me dar gás quanto aos meus sonhos e aspirações. Ao contrário, as palavras que ouço são de “cuidado”, “fique atento”, “mas e se…?” ou o clássico “temos que nos controlar por causa de dinheiro”.
E a cada dia mais me vejo sendo absorvido pela areia movediça do ritual contemporâneo: casa, carro, status no perfil social, compras, comida, lavar, limpar, cozinhar, orçamento, planejar o almoço, planejar as férias… Nada tão excitante como pular de bungee jump ou de paraquedas, mergulhar no gaiola para ver tubarões brancos ou tocar bateria para uma plateia ensandecida com as músicas que marcaram época.
Nada de novo. Acordar, meditar, treinar, voltar, tomar banho, tomar café, estudar, ensinar, comer, jantar, eventualmente transar, fumar e dormir para no dia seguinte repetir o ritual. Já se passaram 4 anos desde que vejo essa rotina se estabelecer. Tento desviar desse ócio fazendo uma viagem aqui, outra ali. Visito uns amigos a 200km de distância só pra poder sentir o gostinho da estrada novamente, do volante sob meus dedos e dos pedais sob meus pés. A noite fria e a estrada vazia, como a mente no estado meditativo. Apenas o som do rádio, as estrelas no céu, o cheiro do vento e da relva, dos pastos quando passamos pelas fazendas e dos cafezinhos de beira de estrada.
Esse ritual de casa, por assim dizer, não é tão novo e o que mais me deixa assustado é que esta dança mortal pro espírito existe há tanto tempo quanto se possa imaginar, porém existem aqueles que conseguem uma rota alternativa a esse tipo de viver. Nada contra aqueles que por seus motivos se sentem bem na relativa segurança de um contracheque, com uma casa e um carro na garagem. Estabelecem-se, procriam, repetem essa dança até o momento de suas mortes. Ensinam em vida aos seus filhos a mesmíssima dança. Acordar, ver jornal, reclamar do governo, jogar a culpa disso ou daquilo em alguém, ter uma religião, fazer parte de um grupo, ser honesto, ser do bem, ser exemplar, ser isso, ser aquilo…Ter carro, ter casa, ter celular, ter namorada, ter namorado, ter amantes, ter computador, ter amigos, ter diploma, ter isso, ter aquilo…
E a areia movediça vai consumindo, devagar vai abraçando e envolvendo o sujeito. Estou desesperado e o desesperado morre mais cedo dentro da areia movediça. Preciso manter o controle e não me debater, pois assim me afundarei mais rapidamente. Calma, frieza e presença de mente e espírito se fazem presente, mas como? Se gastei todo pouco de energia que me restava tentando abrilhantar um pouco mais o dia alheio? Sabia que até hoje nenhum amigo meu me disse que eu era importante? Nenhum familiar (pelo menos não que me lembre) me falou que sentiria minha falta se eu sumisse ou cessasse de existir. Ninguém me disse: cara, dou o maior apoio, ainda que emocional ou moral, para seus projetos.
Criado por boomers, faço o que faço não pra conseguir aprovação,mas pra conseguir alcançar meus objetivos e ser uma pessoa melhor (apesar de que minha geração inteira e, por conseguinte eu também, fomos criados sob a premissa de precisar ganhar reforço positivo constantemente para fazer algo). Lá no fundo, obviamente, eu gostaria sim de ser mais prezado, ser mais observado e estimado da maneira que eu, humano fútil, penso ser ideal. Mas será que eu saberia o limite e ficaria satisfeito? Não seria isso apenas uma forma de nutrir um falso ego?
Hoje, dificilmente compartilho ideias de projetos futuros exceto com um ou dois amigos que geralmente me botam pra cima e que igualmente se sentem um lixo existencial. Talvez eles sintam-se presos na areia, assim como eu. Talvez queiram sair também.
Queria estar escrevendo de algum lugar tranquilo, no mato quem sabe. Uma lareira, um chá bem quente e a certeza de que tenho todo o tempo que quero e preciso para escrever. Tem sido difícil achar inspiração, pois tudo passa tão rápido. Mal pago um boleto e já chegou mês que vem: minha mente se preenche com datas, valores, juros caso não pague a tempo, cobranças que devo fazer, planos pedagógicos que devo revisar, compromissos de minha filha, responsabilidades da casa… Chega meia noite e eu não escrevi. Cansado e com poucos neurônios úteis, jogo, fumo, assisto a um filme, vejo stories… Os olhos pesam, a luz da tela desaparece, tudo fica na escuridão e o sono vem. Mal chega e já são 6h, hora de acordar, meditar, treinar, voltar, tomar banho, tomar café, estudar, ensinar, comer, jantar, eventualmente transar, fumar e dormir para no dia seguinte repetir o ritual.
Onde aquele rapaz cheio de sonhos está? Olho no espelho e meu olhar já não é mais o mesmo. Tento sorrir, pra ver se meu rosto fica mais amigável, mas parece mais que estou com gases do que feliz. Minha pele e iniciais pelos de barba branca começam a indicar minha idade e meu semblante me deixa um pouco mais velho do que realmente sou. Rugas, ideias de gente velha, cansaço antes das 22h, pouca resistência para beber… Não sou mais aquele rapaz. Hoje sou outro cara. Não tenho certeza de quem é esse cara, mas nunca tive certeza sobre nenhum dos caras que fui, então até aí nada de errado. O que me assusta, no entanto, é ver esse cara de quase 30 anos indo pelo caminho da monotonia, do tédio e da rotina do escravo, onde se paga contas, vive na casinha e morre eventualmente deixando alguma dívida com o Estado ou com os donos Dele.
Nesse exato momento quero estar em todos os lugares. Não em um local específico, mas com a certeza de que se eu quiser viajar amanhã eu posso, pois o mundo é minha casa. Hoje queria estar no Sana escrevendo à beira rio, ouvindo a mata e sentindo aquele friozinho. De lá, quem sabe, subir a serra até Friburgo e Lumiar, visitar uns amigos e escrever um pouco mais. E dali, então, partir sem rumo para qualquer lugar onde eu possa encontrar certa paz e escrever um pouco mais, devanear, pensar, refletir.
As pessoas pensam que você não é produtivo se faz isso tudo, pois no nosso mundo moderno a palavra de ordem é “produtividade”. Se faz algo, esse algo deve se concretizar através de algum resultado material que pode ser uma casa nova, uma viagem cara, um carro novo, roupas e festas bacanas ou números numa conta bancária, ou de seguidores, ou de qualquer tipo de indicador. E aí você tem que esfregar isso na cara dos outros através das mídias, vestindo uma felicidade instantânea para mostrar que tudo o que você fez até ali tem algum objetivo e sentido, apesar de nem sempre ter. Aqueles que somente pensam, ponderam, analisam e chegam a conclusões não-instantaneamente conclusivas são tidos como inúteis, não produtivos ou sequer são considerados. Por isso acho que a poesia e a leitura hoje estão tão fora de moda. Tudo precisa ser rápido, precisa mostrar resultados imediatos. Do contrário, não é considerado eficiente ou útil. Vivemos nos comparando com os computadores que criamos, tentando executar tarefas simultaneamente sob a justificativa de “produtividade”, quando de fato, deveríamos estar nos perguntando sobre nossa essência e existência aqui na terra. Deixemos as máquinas trabalhando enquanto tentamos evoluir. Evoluir requer reflexão, pensamento e ponderação. Requer rever conceitos que nem sempre estamos dispostos a abrir mão. E aí de tanta gente estar infeliz. Sentem-se vazios apesar de tantas atribuições.
Estudar e trabalhar não é mais algo extraordinário. Se você o faz, não faz mais que sua obrigação e se não precisa trabalhar, então sua vida é provavelmente muito fácil comparada à da maioria que precisa fazer os dois para ter algum tipo de chance minimamente. Não dando conta de tudo, sentimo-nos frustrados e muitos dos que conseguem dar conta de tudo, ainda assim, sentem-se vazios e extremamente cansados. Hoje usamos tantas drogas para conseguir dormir e para fazer com que a máquina chamada mente possa descansar e dormir sossegada, pois como tem mil atribuições, a ansiedade se aloja, fazendo projeções que excedem dias e até mesmo anos. Preocupados com o que está para ser e acontecer, esquecemos do agora e mal lembramos de respirar adequadamente. Aliás, como é que se respira adequadamente, mesmo?
Tenho 29 e estou cansado. Quis me matar, mas depois que vi o milagre da vida, não quero mais.
Mas às vezes, confesso, desejo morrer.
Sinto minha alma cansada, não meu corpo. Minha mente está exausta dessa discussão idiota e sem sentido sobre partidos, sobre esquerda, direita, quem mata, quem morre, quem é culpado e quem é vítima. O terror que está em todos os lados faz do medo cotidiano algo cansativo também, que trás preguiça de sequer ir na esquina às vezes. Normalizamos, apesar de saber que é desumano, ver gente morta, miserável, pedindo nas ruas, morrendo por terras, matando indígenas com sua cultura inteira e crianças pelo bem do “progresso”.
Um trem lotado, um feed de rede social bombando, músicas que ficam nas paradas e logo em seguida somem, assim como alguns ídolos, notícias bombásticas que são esquecidas em menos de 48h e erros com suas respectivas discussões históricas repetindo-se incessantemente por simples e pura ignorância, falta de amor pela sabedoria e conhecimento.
Queria estar viajando. Provavelmente para fugir de toda essa maluquice em que vivo. Carregarei esses problemas onde eu for, de fato, mas na escola do mundo, certas lições somente são aprendidas com a experiência. Acho que o vazio advém da falta de conhecimento sobre a vida, conhecimento tal que só é adquirido na prática, vivendo, não através de livros ou cursos sobre felicidade ou sucesso.
Quero fugir daqui nesse exato momento, mas não sei bem pra onde.
10-06-21
  • Autor: verenavini (Offline Offline)
  • Publicado: 10 de junho de 2025 20:46
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 2


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