Restava-lhe apenas o cansaço,
único pulsar ainda fiel
num corpo que já não recordava o verbo “viver”.
Mas mesmo isso era incerto.
Sentia?
Ou apenas resistia?
O peito era um quarto desabitado,
o sangue, poeira antiga.
O pensamento,
um sopro que morria antes do verbo.
“Que é isto?”
“Por que ainda estou?”
“Quem fui, senão o eco de mim mesmo?”
E então, num instante fugaz,
como relâmpago que revela o abismo,
ele viu.
Viu-se.
Viu-se no espectro.
O fantasma era ele,
seus próprios olhos o fitavam da sombra,
seu próprio luto vestia o manto negro.
Era ele quem o vigiava,
quem lhe arrancava o sono,
quem o matava,
gota por gota,
todos os dias.
“Não…”
“Não pode ser…”
Mas a memória é fera que não morre fácil.
Ela voltou, urrando entre as paredes da casa,
trazendo palavras antigas:
“Você é patética.”
Frase cuspida com ira,
ouvida por olhos marejados.
Frase que voltava agora
como lâmina embebida em arrependimento.
Ele tentou fugir do passado,
mas não havia mais onde esconder-se.
O que mais o corroía
não era o que fizeram com ele,
mas o que ele fizera com ela.
Ela vivia.
Mas ele a matou.
Não com as mãos,
mas com o descaso.
Com o orgulho.
Com o silêncio que se seguiu.
Não houve perdão.
Não houve desculpa.
Apenas as sobras:
memórias frágeis como vidro ao vento,
lembranças trêmulas como vela em tempestade.
E o rosto do fantasma,
tão igual ao seu,
seguia imóvel,
à espera.
À espera de que, enfim,
ele se lembrasse
daquilo que jamais quis admitir.
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Autor:
Toldi (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 27 de maio de 2025 01:06
- Categoria: Reflexão
- Visualizações: 2
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