O anseio da senhora para sair daquele mundo, mãos e pés calejados de tanto falhar na escalada daquele muro, tão alto.
A senhora já havia perdido quase toda a esperança, olhava para cima e chorava,
Sabia que não iria sair de lá, presa estava, sozinha estava, morta estará.
As lagrimas secas no rosto enrugado, os cabelos quebradiços e sem cor bagunçados pelo vento.
Senhora ó senhora, lamentas tanto, mas foi você que se jogou no poço, se lembra?
A senhora vivia em uma barraca, tão velha quanto ela, feia de aparência igual a ela.
A água no pote era suja e escassa, mas cada gole que dava saciava sua sede por alguns dias, deleitava-se neste pequeno prazer.
Não havia a luz do sol neste vazio, apenas nuvens, névoa, fuligem, cinzas e ferrugem.
A senhora sentia falta daquela luz, falta de seu calor e de seu ardor, pobre senhora.
Senhora ó senhora, sofres tanto, mas foi você que se escondeu e fugiu do sol, se lembra?
Dia a dia, a senhora tentava o mesmo, levantava cedo e ia até as paredes altas, lá pulava e tentava.
Escalava e caia, se machucava nas tentativas, mas sempre que estava prestes a conseguir, caia novamente.
Sentia falta daquela velha barraca, sentia falta da fuligem nos pés, falta daquela água turva.
O gosto de ferrugem, sorria, a poeira em sua língua, lhe trazia ao real, deleitava-se na pouca água que ainda tinha.
Senhora ó senhora, bebes tanto, foi você que quis essa água imunda, se lembra?
Noite após noite, a senhora deitava-se sobre a palha, doía e pinicava, sentia-se só.
Não havia ninguém para confortá-la nas noites frias, ninguém para deitar-se e amar-se.
Sozinha no meio das cinzas que já estavam molhadas pelas lagrimas, ela sofria.
Levava a mão enrugada ao peito vazio, o bater lá dentro era tão fraco que poderia morrer ali e agora.
Senhora ó senhora, tens tanta dor, foi você que trouxe essa dor a ti, se lembra?
O peito ressoava um som inaudível, fraco e melancólico, era uma das noites mais frias, havia chegado.
Aquelas noites eram cruéis, torturavam a pobre senhora na escuridão, queriam leva-la, o resto de sua alma era cobiçado.
Virava e virava, queria dormir, queria esquecer, quer sumir, "me leve logo" murmurava a senhora.
A figura nas sombras não encostava na pobre velha, mas ria freneticamente, divertia-se.
Senhora ó senhora, tens tanto medo, foi você quem atraiu "aquilo" para si, se lembra?
Na manhã, viva ainda estava, perguntava-se do motivo de tudo isso, questionava-se a senhora.
Abriu os olhos sujos e fitou a água naquele pote, sentia nojo e repulsa, rotineiro.
Segurou firme, não tirava os olhos da crosta de ferrugem, queria vomitar, mas queria beber.
Novamente levou aos lábios o pote, bebeu, sentiu, deleitou-se, gozou em prazer.
O suspiro de satisfação, o arfar de tesão, em segundos esvaiu-se as sensações.
Senhora ó senhora, deleita-se tanto, foi você que achou este sujo prazer, se lembra?
Torturava-se de novo, lamentava de novo, sofria de novo, não tinha resistido, falha.
Ao muro alto se encontrava, tentava, sabia que não conseguiria, sabia o que a prendia.
Mas não deixava de tentar, o conforto e comodismo em saber que tinha pulado e escalado, mesmo caindo.
A dor da queda era tão pequena em comparação ao gosto de derrota, queria ter conseguido.
Senhora ó senhora, falhas tanto, foi você que tomou essa escolha tantas vezes, se lembra?
Voltava a sua barraca, destruída pela noite, pegava o pote e deleitava-se, prazerosa água turva.
Sentada a senhora olhava o horizonte, vazio e sem vida, árido, podre, seu lar.
Enojava-se com a vista, já à vera tantas manhãs, seus olhos cansados e sua boca sem som, não conseguia mais reclamar.
No ponteiro rodava em lamentos, na luz figuras olhavam a senhora, a queriam de volta.
Senhora ó senhora, procrastinas tanto, foi você que se esqueceu de como olhar a luz, se lembra?
Noite fria, atormentada de novo, a figura maligna ria, brincava, proferiu "sabes que podes ir, não vais?"
A senhora calada ao vento, chorava com a lamina das palavras, contorcia o pouco da alma que restava.
Perdera o orgulho, perdera a beleza, perdera a sanidade, perderia a vida, é o que quer?
Fitava a água suja, queria beber naquele momento, queria tocar-se em prazer, esquecer da zombaria daquele ser,
Senhora ó senhora, queres tanto, foi você que perdeu sua alma, se lembra?
Naquele poço a senhora tocava-se, bebia e deleitava-se novamente, gole após gole.
Naquele poço, mais mil senhoras bebiam com ela, algumas foram as que a levaram para a queda.
Tantos potes velhos enferrujados, tantas peles velhas e enrugadas, não pelo tempo, mas pela sujeira.
Se soubessem que bastava se abster em sede para escalarem as paredes, se soubessem que precisavam se sacrificar para viver.
Senhoras ó senhoras, parem!...foram teus atos que te envelheceram, se lembram?
-
Autor:
H.Kizau (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 23 de maio de 2025 10:43
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 1
Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.