A MENTIRA DO TECIDO

L. R. Ramos

Se as roupas gritassem,
seria um escândalo.
Melhor que fiquem caladas,
bem passadas, bem comportadas,
cobrindo com elegância
as jaulas de carne
que desfilam pelas ruas
chamando isso de liberdade.

O tecido rasgaria
essa pele de verniz,
mas, felizmente,
as costuras são firmes.
São séculos de treino
para sorrir sem engasgar,
para engolir sem mastigar,
para aceitar sem perguntar.

Afinal, o espetáculo exige:
quem não veste o figurino
está nu e merece riso,
quem não segue o enredo
esqueceu sua deixa,
quem sente o aperto
é porque não nasceu para brilhar.

Os sorrisos apertam, mas luzem,
as palmas agridem, mas soam,
as máscaras pesam, mas vendem.
E se o cansaço morde,
que seja discreto,
ninguém quer ver rugas
nesse palco bem iluminado.

E entre dobras gastas,
ouvem-se suspiros abafados
de quem trocou voz por murmúrio,
desejo por migalhas,
fogo por fumaça.
Mas quem precisa de calor
quando há lâmpadas frias
criando a ilusão perfeita?

No espelho, nada reflete.
Ótimo.
A ausência de reflexo
é a nova estética.
Ser? Quem precisa?
Viver? Quem ainda se dá a esse luxo?
Basta manter a pose.

O desfile continua.
Deslumbrante.
Impecável.
Irreversível.

E quando as últimas carcaças tombarem,
não haverá espanto.
A plateia, bem treinada,
seguirá aplaudindo.

Porque, no fim, o grande truque sempre foi esse:
morrer de pé,
vestido para a ocasião.

L. R. Ramos, 2025.

  • Autor: L. R. Ramos (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 16 de maio de 2025 15:54
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 4
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