A arte de notar

Ana Cláudia Mesquita Garcia

A arte de notar

Ana Cláudia Mesquita Garcia (12/05/2025)

O sentimento não revelado

A palavra não dita

A lágrima contida

A dor escondida

A beleza oculta

A entonação da voz

A extensão do sorriso

O corpo que fala

O olhar que confessa

A mensagem nas entrelinhas

A rachadura na barragem

O fantástico país das maravilhas escondido por debaixo da pele

O pequeno inseto de costas arredondadas, no chão, com as patinhas para cima, pedindo ajuda para voltar para o lado certo.

O cheiro de pão que, após invadir avassaladoramente o corpo e a alma, retorna ao mundo exterior em forma de água que escorre pelos olhos.

Após procurar e procurar quem domine a arte de notar, percebo que o homem olha, mas não vê… O ser humano interpreta, mas interpretar não é ver... interpretar é ver através de... sendo assim, o homem não vê a coisa em si.

Mas “Ele viu…”, só Ele vê. Olhar, ver… mais ainda: perscrutar - são atributos divinos, estão fora das possibilidades humanas.

O salmista diz que Ele é compassivo porque conhece a nossa estrutura. E o que é conhecer a estrutura se não olhar profundamente para além da superfície, alcançando a medula dos ossos com o olhar?

A pintora, de Adélia, disse que não havia necessidade de palavras, bastava ser um quadro na frente de Deus para Ele olhar.

A raposa de Saint-Exupéry disse que “só se vê bem com o coração - o essencial é invisível aos olhos”.

Mas, cuidado: ser visto também é perigoso. Pascoaes, muito sabiamente, nos alerta que a luz dos olhos devora tudo - “Ser visto é quase morrer”. 

Comentários +

Comentários5

  • Gilberto C. S. Jr.

    Gostei! Parabéns...

  • Sezar Kosta

    Ana Cláudia, que maravilha delicada e pungente você semeou com esse texto!

    “A arte de notar” não é só um título, é quase um sussurro antigo que tua escrita resgata — como quem caminha descalça sobre silêncios e recolhe os sinais esquecidos nos cantos da alma. Ler teu texto é como mergulhar num espelho que não mostra a superfície, mas o avesso: aquilo que vibra em silêncio, o que chora por dentro, o que fala sem som.

    Você costura poesia com filosofia, sensibilidade com teologia, e faz isso com uma leveza que parece ter sido colhida do ar, mas que a gente sabe que veio de um mergulho profundo na alma humana. A imagem do inseto de patas para cima, por exemplo, é de uma ternura absurda — tão simples, tão devastadora, tão... real.

    E quando você diz que “o homem olha, mas não vê...”, eu senti como se estivesse lendo um eco de algo que eu mesmo já senti, mas nunca soube dizer. O seu texto não explica — revela. E isso é um dom raro.

    Obrigado por me lembrar que notar é mais que ver — é quase amar com os olhos atentos. Parabéns de coração por essa prosa-poema, por esse convite a tirar os sapatos antes de pisar no território sagrado que é o outro.

    Continue nos oferecendo essa sensibilidade que enxerga onde a maioria só passa batido.

    Com profunda admiração,
    Sezar Kosta

    • Ana Cláudia Mesquita Garcia

      Muito grata por seu comentário, Sezar! Penso que você captou muito bem a essência do texto, do que eu quis comunicar... E é exatamente isso tb: \"tirar os sapatos antes de pisar no território sagrado que é o outro\". Agradeço imensamente por suas palavras profundas e que me motivam muito!!

    • Yesmin Sarkis

      Intenso e delicado. Parabéns Ana.

    • Sergio Neves

      SERGIO NEVES - ...minha querida amiga (permita-me)...,...que surpresa boa! ...um texto com excelência e sensibilidade além da conta! ...quanto ao tema, eu até que tentei encontrar alguma ideia -que parecesse inteligente- que pudesse vir a acrescentar alguma coisa...,...mas, qual o quê! ...nada o que eu pudesse me atrever a dizer teria alguma relevância dado que "encerraste" o assunto com uma competência de encantar! ...e tudo com uma poética admirável! -sem nenhum exagero- // gostei pra caramba! /// Meu carinho, gran poetisa menina.

    • Sergio Neves

      SERGIO NEVES - ...ah! ...e muito bem vinda por aqui...

      • Ana Cláudia Mesquita Garcia

        Sergio, agradeço imensamente por esse retorno tão significativo! Me sinto feliz por encontrar pessoas abertas e receptivas ao meu texto. Grata!!!



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