Para Quem Foi Sem Se Despedir

Taís Rocha

Agradeço o que me deste:
a casa, o prato, o teto, o gesto.
Cada manhã dividida,
cada cuidado tão pequeno
que, por ser amor, virava imenso.

Ficaram guardados na memória
os cafés da manhã em silêncio bom,
o vinho partilhado em noites sem pressa,
o abraço que me encaixava no peito
como se teu corpo tivesse sido feito
sob medida para receber o meu.

Ainda lembro do cheiro do teu retorno,
da ansiedade de ouvir tua chave girar na porta,
do perfume que deixavas pela casa
e daquele que eu espalhava de propósito,
como quem prepara altar
para a chegada de uma deusa.

Sinto saudade da gente na cozinha,
fazendo juntas a “mesa place”,
rindo sem pressa, nossa playlist diversa,
do tempero errado que virava piada,
dos teus olhos descansando nos meus
como se ali encontrassem sossego.

Sinto falta do carinho discreto,
do cuidado nos detalhes,
de dobrar tuas roupas limpas
como quem dobra promessas.

De cuidar de ti
como quem cuida de si,
porque, por um tempo,
tu foste meu lar.

Mas a casa virou silêncio.
Não houve palavra final,
não houve o “vamos conversar depois”,
só o som das tuas ausências
descendo pela escada como névoa.

Tu foste embora
com tudo o que era teu
e com tudo o que era nosso.

Levaste contigo tua versão da história
e deixaste a minha entreaberta,
sem ponto final.

E, mesmo assim, eu te agradeço.
Porque te amar, embora tenha sido tempestade,
também foi primavera.
Mesmo doendo, foi verdadeiro.
Mesmo rompido, foi abrigo.

Hoje carrego uma dor sem nome,
daquelas que não cabem em diagnósticos,
mas que fazem o peito pesar no meio da tarde
e o coração parar de bater no meio da noite.

E não sinto raiva de ti,
só uma tristeza limpa e sem sentido,
como a de um quarto vazio
ainda com o cheiro de quem partiu.

Tu me ensinaste, mesmo sem querer,
que não se implora por cuidado,
e que quem ama, escuta.

Que ausência também é resposta,
e que o silêncio, às vezes,
fala mais alto que um grito.

Eu sigo outro rumo agora.
Meu silêncio virou meu abrigo.
Não carrego mais tua ausência nos ombros.
Deixo que leves contigo tuas “certezas”
e que caminhes entre os teus
com a mesma ternura
que um dia me deste.

Não espero que me chames.
Não espero que me olhes.
Se cruzarmos por acaso,
desviarei os olhos sem culpa.
É meu direito,
meu gesto de paz.

Não sou mais teu endereço,
mas sigo com amor no peito.
E quem cultiva amor,
mesmo ferido,
um dia floresce,
por inteiro.
Mesmo que, por amar,
já tenha se feito em cacos.

Com tudo o que fui,
e com tudo o que ainda sou,
me despeço com respeito.

Ainda carrego por ti um amor no peito
e uma paixão que ainda não passou.

Eu, que tanto te quis,
te busquei,
fiz questão,
e até supliquei para que
você, e o nosso amor, ficassem,
me despeço com lágrimas e saudade,
mas sem retorno.

Com amor antigo,
e dignidade nova.

  • Autor: sotaimesmo (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 14 de maio de 2025 02:05
  • Categoria: Carta
  • Visualizações: 6
  • Usuários favoritos deste poema: Melancolia...
Comentários +

Comentários1

  • Melancolia...

    Nossa....Um grande espetáculo para ser aplaudido de pé...Mas melancólico por sinal.



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