O amor chegou como quem esquece
a toalha molhada em cima da cama —
sem aviso,
sem cerimônia,
ocupando espaço,
fazendo poça.
No início, era leve,
como copo d’água servido no meio da tarde.
Você disse: “Quer café?”
E eu, sem pensar: “Só se for com você.”
Rimos — havia riso sobrando,
leve como o vento que invade a janela aberta.
Dividimos o lençol, a pia,
o dilema de qual série assistir.
Eu deixava suas meias embaixo do sofá,
você trocava o canal no meio do filme.
Era irritante.
Era amor.
Descobri que os dois cabem no mesmo armário.
Na rotina esbarramos,
como quem se reconhece no escuro.
Entre respingos de pasta de dente no espelho,
aprendemos a conviver com reflexos —
nem sempre belos,
nem sempre nossos.
Houve perguntas que não sabiam sair da boca:
“Você ainda me ama,
ou só aprendeu a suportar a minha ausência ao lado?”
Silêncios pesavam mais que brigas,
e brigas doíam menos que o vazio
do lado esquerdo da cama.
Nos afastamos.
Cada um com sua quentura fria.
O edredom virou trincheira,
e o amor parecia ruir
até você perguntar,
tão banal:
“Você viu minha blusa preta?”
Tão humano.
Tão nosso.
Reatamos entre compras de mercado
e conversas sobre a conta de luz.
Descobrimos que o amor também vive
no “pegou as chaves?”,
no “tô passando na padaria”,
no “deixei um pedaço de bolo pra você.”
O conto de fadas ficou pra trás,
mas o amor ficou.
Ele mora na lista de compras,
na discussão sobre cortina,
no beijo apressado antes de sair.
Mora em nós —
e no nó que dá
quando penso que, talvez, seja isso.
Amar é saber que a tampa da privada vai continuar levantada,
mas ainda assim, deixar um bilhete na geladeira:
“Não esquece o casaco. Te amo.”
No fim, não sei se é um final feliz,
mas tem arroz no fogo
e seu casaco ainda está no encosto da cadeira.
Por ora,
é o bastante.
Quer que eu passe o café?
-
Autor:
Sezar Kosta (
Offline)
- Publicado: 6 de maio de 2025 14:31
- Comentário do autor sobre o poema: Querem saber de uma coisa? Esse poema que batizei de "O Amor que Mora na Rotina" tem uma história... meio... inusitada por trás. A gente pensa que a inspiração pra falar de algo profundo como o amor vem de momentos grandiosos, né? Tipo um pôr do sol espetacular ou uma declaração de filme. Mas, vou confessar um segredinho aqui entre nós, algo que aprendi brincando com as palavras: às vezes, a musa aparece vestida de... bem, de uma pergunta sobre uma blusa preta! Pois é! O amor na rotina se mostra nesses pequenos absurdos, nesses detalhes tão "lista de supermercado" que, de repente, viram a chave pra gente entender o que realmente importa. A poesia não estava só no "eu te amo", mas no "você viu X?", nos "pegou as chaves?". Quem diria que o caos de uma toalha molhada esquecida poderia virar o primeiro verso de uma história, ou que a busca por uma peça de roupa banal seria o ponto de virada de outra? É nisso que o dia a dia nos surpreende, mostrando que o afeto mais verdadeiro pode morar nos lugares mais inesperados, sem manual de instrução. E vocês, já encontraram a poesia escondida nesses cantinhos inusitados da rotina de vocês? O que acharam desse pedacinho do amor que tentei mostrar? Adoraria saber as impressões de vocês sobre o poema! Deixem um comentário aqui embaixo!
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 3
- Usuários favoritos deste poema: Sezar Kosta, Melancolia...
Comentários1
Amigo Cezar… que coisa mais linda.
Seu poema me pegou de mansinho, igual a esse amor que você descreveu — sem alarde, mas inteiro.
É bonito demais ver o sentimento retratado com tanta verdade, sem fantasia forçada, só a vida como ela é: cheia de detalhes miúdos que, no fundo, sustentam tudo.
Você traduziu o amor como ele realmente acontece — entre meias perdidas, silêncios pesados e bolos guardados com carinho. Me emocionei. De verdade.
Tem uma poesia enorme nas pequenas coisas, e você fez isso brilhar com uma delicadeza que toca fundo.
Obrigada por esse texto que abraça, acolhe e faz a gente lembrar que o amor não precisa ser perfeito — só precisa continuar.
Agora, sobre o café… quero sim, um bem quentinho...
Meu amigo Melancolia, a grande reflexão que emana deste poema é a de que a essência do amor cotidiano reside na aceitação. Na aceitação de que não há manual, de que haverá tampas levantadas e meias perdidas, de que o encanto dos contos de fadas cede lugar ao aconchego mais profundo do desencanto vivido e compartilhado. É encontrar porto seguro não na perfeição, mas na presença constante, na aceitação mútua, na construção diária, tijolo a tijolo, mesmo com alguns tortos.
Fico muito feliz por sua gentileza meu amigo! Muito obrigado por ler e por deixar seu comentário tão bacana. É um presente saber que o poema ressoou por aí. Que você continue descobrindo a poesia aninhada nos cantos mais inesperados da sua própria rotina, e que cada "lista de compras" e "conta de luz" revele um novo verso de afeto. Um grande abraço e vamos partilhar um delicioso café quentinho!
Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.