era uma vez

Cada dia mais sozinho e vazio, como uma garrafa jogada no fundo do mar.

Só consigo lembrar do último beijo que você me deu.

Queria te pedir perdão.

Sei que fui um otário, me iludindo com essas piranhas desse oceano chamado Terra.

Talvez eu morra antes de você me perdoar — não quero que se sinta culpada.

Minha vida já estava por um fio antes de te conhecer.

Se aprendeu algo comigo, foi que o ser humano pode ser um frágil gafanhoto, preso na teia de uma aranha, esperando por um milagre daquele que louva.

(Não seria um louva-a-deus? Merda, errei de novo... Mas sei que você me entendeu.)

Talvez você também seja a aranha: uma predadora que não se importa com a dor da presa, nem com a tristeza de quem a ama.

Perdão pelas brigas que foram culpa minha.

Perdão pelas vezes que você discutiu com seus pais para me defender, mesmo sabendo que eles estavam certos quando diziam que eu não tinha futuro.

Até hoje, não entendo como uma princesa do reino da Zona Sul do Rio de Janeiro se encantou por um príncipe — ou melhor, um vendedor da Baixada Fluminense.

Quando você estiver lendo essa carta, provavelmente já estarei dentro de um ônibus, indo para outro estado.

Tentando recomeçar a vida com o CPF negativado e a cara de acabado.

Você sempre será minha princesa.

E eu... seu karma.

Talvez, em umas quatro semanas, você cubra a tatuagem com meu nome.

Ou talvez não.

Talvez eu nunca tenha enxergado o quanto você me amava de verdade.

Teve aquela vez que você xingou um traficante que estava me ameaçando.

Teve a vez que comprou roupas novas para eu conhecer sua família.

Teve as amigas que você bloqueou por dizerem que eu era atraso.

É... Talvez eu realmente seja um filho da puta.

Não vivemos um "e foram felizes para sempre".

Mas vivemos um "era uma vez".