A montanha de gelo derreteu
É engraçado, ela levava ao vale
E o vale me trouxe até aqui
Eu não sou mais o guarda-chuva da tempestade
Eu não voltei pra pegar o anel na neve
Sua maldição não pertence mais a mim
Aquele tênis velho rasgou e eu joguei ele fora
Eu doei aquela camiseta
Meu sons não saem mais daqueles áudios
E eu não uso mais aquele fone
Eu ainda tenho um colar, mas ele não faz mais sentido
Meus anéis quebraram
E meu sangue não cai mais
Eu ainda me pergunto sobre aquela coroa de papel
Ou o destino do meu jogo de cartas vermelhas
Vermelhas como eu costumava ser
Vermelha envolta de cinzas
Eu nunca voltei no parquinho incendiado pelas cinco crianças
Porque aquele isqueiro não nos pertence mais
Nossa morte estava condenada ali
E de fato morremos muitas vezes depois daquele dia
O pedaço de arame que rasgou minha calça e minha perna naquele aniversário
Ainda existe lá
No parque com o casarão abandonado
Em que percebemos estarmos em ruínas
Todos nós, estávamos mortos
O incidente das balas de côco que foi o suficiente para eu odiar o meu aniversário
E depois daquele, todos se tornaram difíceis
Eu tenho medo dos meus aniversários
Eu tenho medo daquele parque
Eu tenho medo de encontrar o meu túmulo naquele lugar
Ou o de qualquer uma das outras seis crianças
Porque de todas elas eu fui a única a voltar ao cemitério
Correndo, gritando e caindo
As vezes
Me vejo naquele espelho sujo
Te vejo no espelho sujo
E fujo do parque e dos fantasmas
Com as aranhas que me davam medo naquele lugar
E o círculo de pedras estampado na minha alma
Porque naquele momento
Eu sabia que tudo estava acabando
A maldição da regata branca, a regata branca e sua blusa marrom
A garota loira
A garota loira que eu nunca mais vi
As três crianças voltaram pra casa
E a energia inteira da cidade caiu aquele dia
O dia do violão azul e da correnteza
O dia à luz de velas e da mortadela
Aonde aqueles sapos foram assassinados junto com tudo o que restava das três crianças
Eu continuo sendo o homem estridente
Mesmo sem saber quando eu comecei
E se eu morrer em Mississipi
A alma verde ecoará pelo mundo e visitará aquele bosque
O farol e a casa iluminada
Aonde eu podia flutuar
Mesmo com um peso em meus pés
Mesmo fugindo constantemente
Eu sentia o vento invadindo cada espaço da minha alma
E mesmo que eu não dormisse
O que eu menos desejava era acordar
E quando tudo se tornou fogo
E eu fui capaz de me incendiar
E pra mim, voltar naquele parque não se trata mais
De me odiar
Mas sim, de entender que eu continuo existindo
Após o fim do Sim
Após o fim de cada estação
E a queda das crianças
Voltar naquele parque me faz pensar que
Tudo vira memória
E faz parte de mim
Fugir daquele parque
Significaria tentar esquecer quem eu sou
E eu estou cansada de fugir de mim
Então em todos os meus aniversários
Eu me torno mais forte
E bom, talvez eu não tenha mais tanto medo do meu aniversário
Quero ser capaz de comemorar a minha vinda
Na mesma intensidade que comemoro a dos outros
Porque se eu não fizer isso por mim
Como poderia alguém se sentir tão feliz pelo meu próprio aniversário?
Espero que nesse aniversário
Eu consiga estar feliz
Sem desejar sumir
Eu tenho medo, mas estou ansiosa
É estranho pensar que eu nasci
E que eu estou viva
Após tantos anos me sentindo morta
Eu sinto que nesse ano
Eu posso ter renascido
Porque pela primeira vez, me sinto presente
O sim não me machuca mais, o fogo e as cinzas também não
É difícil, ninguém nunca tornou esse dia meu, eu sempre planejo tudo e não consigo aproveitar
Eu sempre mudo a data para que todos possam ir, ignorando o que realmente quero
Eu sempre faço sozinha as comidas que os fazem felizes, sendo que eu nem as como
Eu sempre levo as brincadeiras e tento não deixar todo mundo entediado
E passo o dia todo me esforçando para que se enturmem
E no final do dia, eu sempre acabo com dor de alergia por causa das formigas que me picam enquanto eu tento fazer com que todo mundo esteja confortável
Mas é que
Esse ano
Pela primeira vez na vida
Acho que estou pronta para me comemorar.
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Autor:
Stranger. (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 23 de abril de 2025 00:30
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 2
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