Me lembro
[assim começam os sepultamentos]
entre tijolos de saudade e cal da memória.
[nostalgia cromática que me faz falta]
As casas coloridas eram retratos sem nenhuma moldura
a cozinha da vó, seus pratos amarelados
que marcou um tempo,
os azulejos com seus desenhos de chaleira e centeio
arquitetura que ferviam histórias em água morna.
O piso era feito de retalho, formando mapa de chão marcado
da cor de terra batida em tons amarronzados, e o quintal? Era mágico!
Onde o vento lia contos em folhas secas.
Os carros eram arco-íris com rodas,
e a rua, uma galeria de cores sem pressa.
Hoje? As casas são caixas de concreto,
cinzas sem estilo, paredes que nem choram.
Os carros, clones de um mesmo pesadelo:
prata, preto, branco cores de certidão de óbito.
Onde está a geração que sabia nomear o vermelho?
Que tingia os dias com tinta de pertencer e existir?
Sinto que a cada geração, perdemos um olho.
Ficamos míopes do coração:
não enxergamos mais o centavo de ouro no pôr do sol,
o verde-aventura das mangueiras,
o rosa-desatino das louças trincadas.
Agora somos pós-modernos e pobres de cor,
arquitetos da asfixia, pintando o mundo com névoa.
Mas eu me recuso a viver nesse museu de cinza.
Vou plantar cravos vermelhos no cimento,
escrever poemas em azul-temperança nos muros,
até que a próxima geração reaprenda a ver
ou pelo menos sinta saudade
de um mundo que já foi colorido
e não soube que estava morrendo.
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Autor:
Anna Gonçalves (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 14 de abril de 2025 11:58
- Categoria: Reflexão
- Visualizações: 6
- Usuários favoritos deste poema: Melancolia..., Pedro Viegas
Comentários1
Prezada Anna, senti arrepios. Poesia com todas as letras maiúsculas. Quanta verdade passada com lirismo, com emoção! Verdade sem lirismo é cinza, cor que o poeta abomina. Fiquei seu fã.
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