Chego cedo para um encontro qualquer, convidado por quem não quero mais ver, cuja presença me enfastia, cuja voz é irritante e a simpatia é quase nenhuma. Alguém que praticamente não é ninguém, que fede a cheiro vulgar, que emana com seu hálito adocicado de diabético, a impressão de quem já morreu faz tempo...Aliás, eu particularmente detesto hálitos doces, cheiros vulgares, convites e vozes -irritantes ou não- macias ou ásperas, contínuas ou entrecortadas. Gosto de hálito salgado, corpo molhado de suor inodoro, de mamilos, umbigo, lóbulos de orelhas, línguas mudas, gosto de silêncio, de olhos que falam, e que depois se fecham arrependidos do que disseram, de suspiros de tédio e solidão, de choro justo e verdadeiro, gosto do que nunca vi, do que nunca tive. Chego tarde, não para um encontro qualquer, chego de propósito tarde demais para uma festa, chego quando a festa já acabou, entre restos de comida, restos de bebidas em copos contaminados por pessoas contaminadas por corpos imperfeitos ou impecáveis esteticamente, corpos que hospedam almas sobre às quais nem quero falar, prefiro falar dos ratos, sempre apressados, sempre se escondendo, que urinam em sua comida, aí você morre(acho que não de propósito, diferente das pessoas) chego tarde propositalmente, ainda sinto o cheiro da ilusão que pouco a pouco se dissipa em bruma tóxica, as luzes já se apagaram, os últimos funcionários recolhem o lixo produzido(tudo e todos geram lixo, lixo, lixo e mais lixo), cansados e infelizes, não sentem cheiro de nada, do odor de urina, do álcool derramado, da urina dos ratos(tem cheiro?) de toda essa merda, dessa merda toda...Breve voltarão para suas casas, perdidos, ou se perderão por aí, sem rumo, talvez à procura de alguma festa que lhes caiba. E eu aqui, enfim sozinho (não pertenço à festa nenhuma), mas muito bem acompanhado (juro e minto cinicamente, pois adoro jurar e mentir para mim mesmo), de uma garrafa cheia de bebida destilada, de sonhos lúcidos embora incontroláveis, farsantes, mentirosos e ilusórios. Acompanhado de uma angústia inesgotável. Mordo minha língua(acordo), dói e sinto o gosto de sangue, do meu sangue, ponho meu dedo indicador sobre a pequena ferida pressionando-a até o sangue estancar, pouco sangue é verdade, que fede a sangue é claro, salgado e frio. Acho que vou ficar por aqui até que quem me convidou para o encontro que eu não queria ir, se canse e vá embora, frustrada, talvez magoada, triste, se sentindo desprezada, preterida, não sei, não importa, melhor (ah, se essa pessoa soubesse...) ser infeliz por um instante do que pela vida inteira.
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Autor:
Victor Severo (
Offline)
- Publicado: 10 de abril de 2025 11:35
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 3
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